Sobre o oportunismo eleitoreiro: as "Teses Sobre a Questão Parlamentar" de Lênin


Sabemos que, a cada dois anos, a "esquerda" institucional participa na mesma peça, com basicamente o mesmo elenco e o mesmo roteiro requentado, montada pelo velho Estado capitalista. Este Estado funciona, em cada um dos seus aparelhos, pela transformação da dominação econômica da burguesia e dos latifundiários em força de lei. Como sistema de Estado, ele existe para garantir que esta dominação econômica seja mantida e a transforma em dominação política, ele é a "dominação organizada" (Marx & Engels, no Manifesto Comunista) destas classes. A política é a economia concentrada, como dizia  Mao.

 
Mas para garantir esta dominação política, o Estado tem que organizar também a sua hegemonia ideológica. Ele deve fazer com que a sua dominação política sobre o conjunto de uma população pareça legítima. É essa a função principal das eleições burguesas.

 

Como temos demonstrado em nossa série "Sobre a democracia", a tendência histórica do Estado capitalista sempre foi antidemocrática. Os principais ideólogos burgueses durante as revoluções francesa e americana eram abertamente contrários à democracia e defendiam um sistema de governo oligárquico e censitário. É o desenvolvimento do proletariado como classe que obriga o Estado capitalista a se "reformar" e a organizar as eleições representativas como forma de garantir a sua legitimidade popular.

 

Mas, de acordo com a teoria marxista do Estado, isso não muda a sua natureza de classe. Por que? A máquina do Estado burguês é composta de um "núcleo" essencial, um grande aparelho burocrático e militar que é completamente isolado de qualquer forma institucional de controle popular: as Forças Armadas, as polícias, os tribunais, as prisões, o conjunto dos setores da administração pública e econômica, se reproduzem de maneira praticamente independente. A militarização e a burocratização dos Estados é uma tendência mundial e inevitável que, como mostrou Lênin, acompanha o desenvolvimento do imperialismo. Em nosso caso, esse "núcleo" permanece basicamente sem grandes alterações desde a ditadura militar de 1964.


Daí a importância de que o Estado burguês desenvolva um "sistema partidário", um grupo de organizações que, participando publicamente de um pacto para não romper os limites legais e políticos da ordem estabelecida, pareça disputar os níveis superficiais das instituições do Estado pelas eleições. Em muitos Estados capitalistas o desenvolvimento de um "sistema partidário" "plural" foi mesmo estimulado, como uma maneira de criar para as classes dominadas a ilusão de que o Estado está em disputa, garantindo com isso que elas não "passem dos limites" estabelecidos pelas classes dominantes e que a sua ação política se passe principalmente (na verdade, exclusivamente) nestes limites. Os diversos partidos "de esquerda" que participam dessa encenação de disputa pelo poder de governo no Estado capitalista são, tendo consciência disso ou não, peças importantes na reprodução ideológica da dominação da burguesia e do latifúndio.

 

 Além disso, sabemos que mesmo estas eleições para os níveis superficiais das funções executivas e legislativas são regularmente fraudadas pela influência do poder econômico e do monopólio de imprensa, que a corrupção é generalizada e a regra é a capitulação. Isolados de qualquer forma de controle popular, selecionados pela filtragem reacionária do monopólio de imprensa e já limitados pela adesão pública à ordem jurídica das classes dominantes - limitação que pode tomar formas muito concretas, como a progressiva dependência dos partidos eleitoreiros das verbais estatais vinculadas aos fundos partidário - os representantes eleitos pela "esquerda da ordem" não têm qualquer capacidade de alterar de maneira significativa as práticas institucionais do Estado capitalista, mesmo quando se dispõem individualmente a isto - caso raríssimo, como cada um poder confirmar pela experiência dos últimos trinta anos da república atual - e acabam por ter apenas a função de legitimar a ilusão do "pluralismo político" do sistema de Estado dominante.

 



Estes problemas não são novos para os comunistas. Há cem anos, em 1920 a Internacional Comunista discutiu e aprovou as Teses sobre a questão parlamentar, elaboradas por Bukharin e pelo grande Lênin, apresentando uma análise rigorosa da questão parlamentar. Não é sem razão que os oportunistas da "esquerda da ordem" praticamente não façam referência a este texto, ou que prefiram fazer uma leitura neopentecostal (parcial e confusa, baseada em citações de ocasião) de A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo de Lênin. O Esquerdismo é, na verdade, um texto dedicado a combater o revolucionarismo pequeno-burguês e sua tendência de transformar experiências táticas particulares em uma rega universal sem uma análise concreta da situação concreta. Como diz Lênin, falando do boicote às eleições parlamentares da Rússia em 1905, “Então o boicote revelou-se justo, não porque seja correta em geral a não participação nos parlamentos reacionários, mas porque foi corretamente considerada a situação objetiva que conduzia à rápida transformação das greves de massas em greve política, depois em greve revolucionária e então em insurreição. Além disso, o motivo da luta era, nessa altura, saber se haveria que deixar nas mãos do tsar a convocação da primeira instituição representativa ou tentar arrancar esta convocação das mãos do velho poder. Porquanto não havia nem podia haver a certeza da existência de uma situação objetiva análoga, nem de uma direção e ritmo idênticos do seu desenvolvimento, o boicote deixava de ser justo. O boicote ao ‘parlamento’ em 1905 enriqueceu o proletariado revolucionário com uma experiência política extraordinariamente preciosa, mostrando que na combinação das formas legais e ilegais, parlamentares e extraparlamentares de luta, é por vezes útil e até obrigatório saber renunciar às formas parlamentares. Mas transpor cegamente, por simples imitação, sem espírito crítico, essa experiência para outras condições, para outra situação, é o maior dos erros”[1]. “Como é natural, sem um estado de espírito revolucionário nas massas, sem condições que favoreçam tal estado de espírito, a tática revolucionária não se transformará em ação, mas na Rússia, uma experiência demasiado longa, dura e sangrenta convenceu-nos da verdade de que é impossível construir a tática revolucionária exclusivamente na base do estado de espírito revolucionário. A tática deve ser construída tendo em conta serenamente, com estrita objetividade, todas as forças de classe do Estado de que se trate (e dos Estados que o rodeiam e de todos os Estados à escala mundial), e também tendo em conta a experiência dos movimentos revolucionários”[2]. O problema central do texto de Lênin não é tanto a participação ou o boicote dos comunistas nas eleições parlamentares “em geral”, mas a determinação das condições concretas que tornam necessárias uma ou outra tática de luta. É só esta análise da situação concreta que permite definir a tática justa, e não uma orientação geral tirada de princípios abstratos, como pensavam os esquerdistas.

 

E é exatamente este o ponto que a “esquerda da ordem” evita tocar com todas as suas forças. O Esquerdismo é um texto de 1921, e pressupõe diretamente o conjunto das Teses sobre a questão parlamentar que estabelecem as condições concretas para o uso tático do chamado “parlamentarismo revolucionário”. No caso do esquerdismo pequeno-burguês o desvio da adesão a princípios idealistas ao menos tinha bases justas na recusa das formas burguesas da política e do oportunismo socialdemocrata. Lênin nos lembra em 1921 que “Na Europa Oriental e na América o parlamento tornou-se especialmente odioso para os elementos revolucionários de vanguarda da classe operária. Isso é indiscutível. E é plenamente compreensível, pois é difícil imaginar algo mais vil, infame, traiçoeiro, que a conduta da gigantesca maioria dos deputados socialistas e socialdemocratas no parlamento durante a guerra e depois dela”[3]. O erro principal dos esquerdistas era não levar em conta em sua análise as condições objetivas e subjetivas concretas na formulação da sua tática. “Precisamente porque as massas atrasadas de operários e – mais ainda – de pequenos camponeses estão muito mais imbuídas na Europa Ocidental do que na Rússia de preconceitos democrático-burgueses e parlamentares, precisamente por isso, de dentro de instituições como os parlamentos burgueses podem (e devem) os comunistas travar uma luta prolongada e tenaz, sem retroceder perante nenhumas dificuldades, para pôr a nu, desvanecer e superar estes preconceitos”[4]. É “precisamente” porque as massas aderiam à legitimidade das instituições democrático-burguesas que, na Europa dos anos 1920, no período histórico em que o sufrágio universal havia acabado de ser conquistado, Lênin nos diz que era necessário que os comunistas fizessem uso tático do parlamentarismo. E mesmo nessas condições era absolutamente necessário traçar uma linha divisória entre a prática comunista e revolucionária e a prática burguesa, como veremos.

 

Se, nos dias de hoje, a “esquerda da ordem” evita colocar em questão uma análise precisa da situação política e das condições concretas em questão é, precisamente, para fazer da participação nas lutas parlamentares uma orientação geral tirada de princípios abstratos! No caso da “esquerda da ordem” atual, o desvio idealista tem exatamente o sentido contrário do que tinha para o esquerdismo: o de sustentar, na prática, uma adesão imediata às formas da política burguesa, e portanto às formas da dominação de classe capitalista, como se a participação das eleições burguesas fosse um princípio absoluto. Enquanto no caso dos esquerdistas tratava-se de um revolucionarismo pequeno-burguês “de esquerda”, para a “esquerda da ordem” trata-se pura e simplesmente de oportunismo de direita.

 

Segundo o Relatório de desenvolvimento mundial de 2017 do próprio Banco Mundial, enquanto no período de 1985-2015 a porcentagem de países que mantinham eleições regulares para funções de governo passou de 40% a pouco mais de 90%, a participação eleitoral mundial caiu de 70% a 65% no mesmo período, enquanto para o período de 1945-2015 a queda na participação eleitoral foi de 80% a 65%, o que nos mostra que o surto de “democracias” liberais a partir dos anos 1980 não inverteu a tendência histórica de queda na participação eleitoral. Contrapondo as duas tendências mundiais, as conclusões são óbvias. Segundo o mesmo relatório, para a América Latina a população avaliando que a realização de eleições é importante é de 90%, enquanto menos de 40% confiam na honestidade do sistema eleitoral[5]. Para o Brasil, podemos afirmar que desde meados dos anos 1990, mesmo com a instituição do sufrágio universal pela república de 1988, a taxa de abstenção eleitoral gira em torno de 20%: em 1994, na eleição do latifundiário neoliberal Fernando Henrique Cardoso para a presidência, a taxa de abstenção foi de 29,3% do eleitorado, enquanto na última eleição de 2018, quando da vitória do fascista Bolsonaro, ela foi de 21,3%. O nível mais baixo da taxa de abstenção foi na eleição do oportunista Luís Inácio em 2006, com 16,4%, tendo depois disso apresentado nova tendência de alta até chegar ao nível atual[6]. Mesmo entre aqueles que participam do processo eleitoral, cada militante que conviva com os setores populares sabe bem qual é a avaliação qualitativa que as massas brasileiras têm do atual sistema de governo que tratam, na melhor das hipóteses, com cinismo. Em 2019, uma pesquisa do Datafolha apresenta o congresso nacional e os partidos políticos como os piores colocados em uma lista de instituições pelo grau de confiança geral da população, atrás das FFAA, da presidência, do judiciário, do Ministério Público, das grandes empresas, da imprensa e das redes sociais)[7].  O cenário que temos, com a tendência mundial e local de crescimento da abstenção eleitoral, chegando a envolver um quinto do eleitorado brasileiro e com tendência a crescer, um cenário em que a população tem mais confiança no exército, nos patrões e nas redes sociais do que no atual poder legislativo e no “sistema partidário” – é neste cenário que a “esquerda da ordem” e aqueles que gostam de se imaginar como revolucionários saem a defender o sistema de Estado burguês, tendo literalmente que convencer setores de massas de que este é um campo legítimo de luta política.

 

Evidentemente, este cenário, esta situação concreta é muito diferente daquela para a qual Lênin apontava em 1921. O que leva à tendência mundial de crescimento das taxas de abstenção eleitoral por parte das massas, ainda que nas últimas décadas o número de Estados que adotam um sistema de governo “democrático” representativo tenha praticamente dobrado anunciando uma pretensa vitória do liberalismo, é o próprio desenvolvimento do imperialismo. Lênin nos diz em O Estado e a Revolução que “A guerra imperialista acelerou e acentuou extraordinariamente o processo de transformação do capitalismo monopolista em capitalismo monopolista de Estado. A monstruosa opressão das massas trabalhadoras pelo Estado, que se funde cada vez mais estreitamente com as uniões onipotentes de capitalistas, torna-se cada vez mais monstruosas. Os países avançados transformam-se – falamos da sua ‘retaguarda’ – em presídios militares para os operários”[8]. O desenvolvimento do imperialismo impõe necessariamente uma tendência mundial para o fortalecimento e a consolidação de grandes aparelhos militares e burocráticos para o controle da superexploração das classes trabalhadoras nos países avançados, mas especialmente nos países coloniais e semicoloniais, assim como para a administração e a organização dos monopólios capitalistas. Em nossos dias, depois da generalização dos monopólios nos anos 1970 e do aprofundamento do imperialismo em uma nova fase, o processo de burocratização/militarização dos Estados capitalistas atingiu um nível imensamente maior do que aquele que Lênin já descrevia como uma monstruosidade em 1917. É esta tendência mundial que está associada ao descrédito crescente das “democracias” liberais, uma vez que as massas percebem que, cada vez menos, os Estados “democráticos” são capazes de garantir sua reprodução ou seu simples bem-estar, que os procedimentos democráticos são cada vez mais vazios e subordinados a forças fora de seu controle.

 


 

Ora, o que escreve Lênin nas Teses? Nas Teses #4-6 Lênin escreve que os “parlamentos burgueses, que constituem uma das principais engrenagens do aparelho de Estado da burguesia, não podem ser conquistados pelo proletariado, tal como o Estado burguês em geral. A tarefa do proletariado é a de fazer explodir o aparelho de Estado da burguesia, destruí-lo, incluindo as instituições parlamentares, quer as das repúblicas quer as das monarquias constitucionais”, dizendo que “o mesmo se passa com as instituições municipais da burguesia; e que é teoricamente falso opor aos órgãos de Estado. Na realidade, fazem também parte do aparelho governamental da burguesia e devem ser destruídas e substituídas pelos Sovietes locais de deputados operários”. Assim “o comunismo recusa-se a ver no parlamentarismo uma das formas da sociedade futura; recusa-se a ver nele a forma da ditadura de classe do proletariado; nega a possibilidade da conquista durável do parlamentarismo. Por consequência, não se pode pôr a questão da utilização das instituições do Estado burguês senão com o objetivo da sua destruição. É neste, e apenas neste sentido, que a questão deve ser encarada[9].

 

Vemos que Lênin em nenhum momento abre mão da afirmação explícita de que o objetivo político do proletariado é destruição do velho Estado capitalista, inclusive a de suas instituições parlamentares. É a serviço deste objetivo que a tática parlamentar era colocada. E ela é, na verdade, uma tática secundária. Como afirmam as Tese #9-11, “O método fundamental da luta do proletariado contra a burguesia, quer dizer, contra o seu poder de Estado, é, em primeiro lugar, o da ação de massas. Estas últimas são organizadas e dirigidas pelas organizações de massa do proletariado (sindicatos, partidos, Sovietes) sob a direção geral do Partido Comunista, solidamente unido, disciplinado e centralizado”; “A luta das massas constitui todo um sistema de ações em desenvolvimento contínuo que assume formas cada vez mais duras e conduzem, logicamente, à insurreição contra o Estado capitalista. Nesta luta de massas que se transformará em guerra civil, o partido dirigente do proletariado deve, regra geral, fortificar todas as posições legais, ter pontos de apoio secundários da sua ação revolucionária e subordiná-los ao plano da campanha principal, quer dizer, à luta de massas”, sendo que “A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Em nenhum dos casos se pode invocar contra a ação parlamentar o fato do Parlamento ser uma instituição do Estado burguês. Com efeito, o Partido Comunista não se encontra aí para desenvolver uma atividade orgânica, mas para ajudar as massas, do interior do Parlamento, a destruir pela sua ação independente o aparelho de Estado da burguesia e o próprio Parlamento”. Ou seja: como “ponto de apoio secundário”, a tática parlamentar deveria estar subordinada às ações de massas extraparlamentares e ao objetivo político principal do desenvolvimento da luta para a destruição do Estado capitalista, utilizando as eleições e o parlamento como espaços de denúncia, agitação e propaganda pela destruição do Estado capitalista. Por fim, a Tese #19 afirma que “É indispensável ter sempre em conta o caráter relativamente secundário desta questão. Residindo o centro de gravidade na luta extraparlamentar pela conquista do poder político, conclui-se que a questão geral da ditadura do proletariado e da luta de massas por essa ditadura não pode ser posta no mesmo plano que a questão particular da utilização do parlamentarismo”. Para Lênin, o que determina a viabilidade do uso do parlamento como espaço de propaganda comunista é exclusivamente a necessidade de fazer uso dele para defender diante das massas a estratégia revolucionária de destruição do Estado burguês - e isso faz sentido exclusivamente nos casos e momentos históricos, como era o caso na Europa do início do século XX, em que as massas aderem à legitimidade ideológica do parlamento burguês como instância política por excelência. Colocar a questão de outra maneira é inverter o esquerdismo infantil em direitismo senil e recuperar todo o legado do oportunismo parlamentar como base de apoio do Estado capitalista.

 

Torna-se evidente, a partir das teses de Lênin, o caráter profundamente oportunista da “esquerda da ordem”. Como se sabe, ela não apenas trata esta questão “relativamente secundária” como a questão central, como inverte completamente a ordem estratégica do marxismo revolucionário, subordinando em todos os casos a ação de massas extraparlamentar às necessidades da participação nos parlamentos burgueses. Mais ainda: ela não apenas não age diante das instituições burguesas como meios para o desenvolvimento da estratégia revolucionária, como desenvolve nelas uma “atividade orgânica”, se integrando efetivamente no legislativo burguês e – o que é o mais sintomático de suas pretensões – apresentando suas candidaturas, quando não apoiando as candidaturas de partidos oportunistas ainda mais desgastados, para as funções de governo do Estado capitalista! Enquanto a destruição do Estado capitalista é jogada para um futuro indefinido (o mais distante possível, sempre), e não se avança um pulo de pulga da construção, ainda que a longo prazo, das condições concretas para a superação do velho Estado, a “esquerda da ordem” assume abertamente as funções de legislar ou de governar “a favor dos trabalhadores”... enquanto está montada em cima da máquina burocrática/militar do Estado capitalista! Mas o mais importante, o que é o mais sintomático da verdadeira natureza da “esquerda da ordem” e que nos mostra a razão pela qual toda a ordem leninista entre tática e estratégia é concretamente invertida, é o que encontramos quando olhamos para trás e vemos a distância que nos separa das Teses sobre a questão parlamentar a partir dos próprios pressupostos teóricos de Lênin: o desenvolvimento do imperialismo, a generalização dos monopólios; a tendência crescente – seja no nível nacional, seja no internacional – de uma percepção de massas da falência das eleições como forma de regulação popular do Estado capitalista; a experiência das guerras populares e da formação de bases de contrapoder como respostas políticas concretas para desenvolver o poder proletário contra a militarização imperialista. Quando as massas já apresentam uma tendência visível a desacreditar progressivamente a legitimidade das instituições do Estado capitalista, são as massas que vão adiante e os partidos da “esquerda da ordem” ligados ao “sistema partidário”, enquanto fazem toda a sua mobilização para aumentar a adesão às eleições, que são um peso atrapalhado que atrasa o seu desenvolvimento!

 

Enquanto o Estado brasileiro afirma cada vez mais sua reacionarização, o aprofundamento da militarização e da burocratização, é esta “esquerda” que luta contra a tendência do da recusa de massas das formas da política burguesa, das formas de legitimidade do Estado capitalista. Nessa situação, a “esquerda da ordem” tende a se mostrar, de fato, cada vez mais como um ator a mais na farsa do “sistema partidário” do velho Estado burguês e latifundiário. Como aponta a tendência histórica, as massas só poderão recusar esta “esquerda” cada vez mais. Resta a alternativa do fascismo ou a das formas superiores da democracia proletária. Aos militantes honestos nas bases dos partidos da “esquerda da ordem” se colocará cada vez mais a questão: capitular à política burguesa ou romper para se aproximar do campo revolucionário? As vozes da “esquerda da ordem” começam a falhar, feito instrumento desafinado, e mostram outro tom. Enquanto penduram nas paredes os quadros de Lênin e enchem as estantes decorativas com livros de Marx, já se ouve que falam a língua do oportunismo. É como disse certa vez o Presidente Mao: de esquerda na aparência, mas de direita na realidade.

 

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Reproduzimos aqui, a partir do repositório marxists.org, as Teses sobre a questão parlamentar de Lênin e Bukharin, com texto introdutório do renegado Trotsky, aprovadas no II Congresso da Internacional Comunista em julho de 1920. O texto está disponível em https://www.marxists.org/portugues/tematica/1920/07/teses.htm.

 

Teses Sobre a Questão Parlamentar

- por V.I. Lênin & N. Bukharin

 

Internacional Comunista, Julho de 1920

 

I — A época atual e o novo parlamentarismo

A atitude dos partidos socialistas em relação ao parlamentarismo consistia, inicialmente, na época da I Internacional, em utilizar os Parlamentos burgueses para a agitação. A participação no Parlamento tinha como objetivo desenvolver a consciência de classe do proletariado na sua luta contra as classes dominantes.

Sob a influência da evolução política, e não da teoria, esta atitude foi-se modificando. Em virtude do aumento contínuo das forças produtivas e do alargamento do domínio da exploração capitalista, o capitalismo e, com ele, os Estados parlamentares adquiriram uma maior estabilidade. Daí a adaptação da tática parlamentar dos partidos socialistas à ação legislativa "orgânica" nos Parlamentos burgueses e a importância cada vez maior da luta pela introdução de reformas no quadro do capitalismo, o predomínio do programa mínimo dos partidos socialistas, a transformação do programa máximo numa plataforma destinada às discussões sobre "o objetivo final" , longínquo. Foi sobre estas bases que se desenvolveu o arrivismo parlamentar, a corrupção, a traição aberta ou camuflada dos interesses mais elementares da classe operária.

A atitude da III Internacional em relação ao parlamentarismo não é determinada por uma nova doutrina, mas pela modificação do papel do próprio Parlamento. Na época precedente, o Parlamento enquanto instrumento do capitalismo em vias de desenvolvimento, contribuiu, num certo sentido, para o progresso histórico. Mas nas condições atuais, na época da decadência do imperialismo, o Parlamento tornou-se, ao mesmo tempo, um instrumento de mentira, de fraude, de violência e um moinho exasperante de palavras. Perante as devastações, as pilhagens, as violências, os atos de banditismo e as destruições levadas a cabo pelo imperialismo, as reformas parlamentares, desprovidas de espírito de continuidade e estabilidade, concebidas sem um plano de conjunto, perderam toda a eficácia prática para as massas trabalhadoras.

Tal como toda a sociedade burguesa, o parlamentarismo perde a sua estabilidade, a passagem do período de crescimento orgânico ao período crítico cria uma nova base à tática do proletariado no domínio parlamentar. Por isso, o partido operário (o Partido Bolchevique) estabeleceu as bases do parlamentarismo revolucionário desde o período precedente, ao perder a Rússia, desde 1905, o seu equilíbrio político e social, para entrar num período de convulsões e de profundas transformações.

Quando certos socialistas inclinados para o comunismo sublinham que a hora da revolução ainda não soou nos seus países e se recusam a romper com os oportunistas parlamentares, baseiam-se, conscientemente ou não, na perspectiva de uma estabilidade relativa e durável da sociedade imperialista pensando, por conseguinte, que uma colaboração com os Turati e os Longuet dará bons resultados práticos nas lutas pelas reformas.

O comunismo deve, pelo contrário, ter por ponto de partida o estudo teórico da nossa época (apogeu do capitalismo, tendência para a sua própria negação e destruição pelo imperialismo, agravamento contínuo da guerra civil, etc). O tipo de relações e dos reagrupamentos políticos pode variar consoante os países mas a essência do problema é sempre o mesmo, em qualquer lado: trata-se para nós da preparação política e técnica direta da insurreição proletária, da destruição do poder de Estado burguês e do estabelecimento de um novo poder de Estado proletário.

O Parlamento não pode ser para os comunistas, atualmente, e em caso algum, o teatro de uma luta por reformas e pela melhoria das condições de vida da classe operária, como outrora. O centro de gravidade da vida política deslocou-se do Parlamento e de forma definitiva. A burguesia, por outro lado, em virtude das suas relações com as massas trabalhadoras e pelas relações complexas que existem no seu seio, é obrigada a fazer passar, de um ou de outro modo, algumas das suas medidas através do Parlamento, onde as diversas camarilhas disputam o poder, manifestam a sua força, as suas fraquezas e os seus compromissos, etc. . .

Deste modo, a tarefa imediata da classe operária é a de arrancar esse aparelhos às classes dirigentes, aniquilá-los, destruí-los e substituí-los pelos novos órgãos do poder proletário. Além disso, o estado-maior da classe operária tem todo o interesse em ter nas instituições parlamentares da burguesia guias que facilitarão a sua obra de destruição.

Vê-se imediata e claramente a diferença essencial da tática dos comunistas que estão no Parlamento com objetivos revolucionários e a dos parlamentares socialistas. Estes começam por reconhecer no regime atual uma certa estabilidade e uma existência indefinida, pretendem obter reformas por todos os meios e têm interesse em que todas as conquistas das massas sejam atribuídas ao parlamentarismo socialista (Turati, Longuet, etc).

O velho parlamentarismo capitulacionista foi substituído por um parlamentarismo novo, concebido como um dos instrumentos de destruição do parlamentarismo em geral. Mas as tradições repugnantes da antiga tática parlamentar lançam certos elementos revolucionários no campo dos antiparlamentaristas por princípio (os I.W.W., os sindicatos revolucionários, o Partido Operário Comunista da Alemanha).

Tendo em conta esta situação, o II Congresso da Internacional Comunista apresenta as seguintes teses:

II — Comunismo, luta pela ditadura do proletariado e utilização dos Parlamentos burgueses.

1) O governo parlamentar tornou-se a forma "democrática" de dominação da burguesia que, em certo grau do seu desenvolvimento, necessita da ficção de uma representação popular. Aparecendo exteriormente como uma organização da "vontade do povo" , acima das classes, é, no entanto, um instrumento de coerção e de opressão nas mãos do Capital.

2) O parlamentarismo é uma forma determinada de Estado. Por isso não convém de forma nenhuma à sociedade comunista que não conhece nem classes, nem luta de classes, nem qualquer poder governamental.

3) o parlamentarismo não é também a forma do governo "proletário" no período de transição da ditadura da burguesia para a ditadura do proletariado. No momento mais agudo da luta de classes, quando esta se transforma em guerra civil, o proletariado deve, inevitavelmente, construir a sua própria organização governamental como uma organização de combate na qual os antigos representantes das classes dominantes não sejam admitidos; nesta fase, toda a ficção de vontade popular é prejudicial ao proletariado; esta não necessita da separação parlamentar dos poderes, que só lhe pode ser nefasta. A República dos Sovietes á a forma da ditadura do proletariado.

4) Os Parlamentos burgueses, que constituem uma das principais engrenagens do aparelho de Estado da burguesia, não podem ser conquistados pelo proletariado tal como o Estado burguês em geral. A tarefa do proletariado é a de fazer explodir o aparelho de Estado da burguesia, destruí-lo, incluindo as instituições parlamentares, quer as das repúblicas quer as das monarquias constitucionais.

5) O mesmo se passa com as instituições municipais da burguesia; e que é teoricamente falso opor aos órgãos de Estado. Na realidade, fazem também parte do aparelho governamental da burguesia e devem ser destruídas e substituídas pelos Sovietes locais de deputados operários.

6) O comunismo recusa-se a ver no parlamentarismo uma das formas da sociedade futura; recusa-se a ver nele a forma da ditadura de classe do proletariado; nega a possibilidade da conquista durável do parlamentarismo. Por consequência, não se pode pôr a questão da utilização das instituições do Estado burguês senão com o objetivo da sua destruição. É neste, e apenas neste sentido, que a questão deve ser encarada.

 7) Toda a luta de classes é uma luta política, pois ela é, no fim de contas, uma luta pelo poder. Qualquer greve que se estenda a todo o país torna-se uma ameaça para o Estado burguês e adquire, por isso mesmo, um caráter político. Esforçar-se por derrubar a burguesia e destruir o Estado burguês, é travar uma luta política. Criar um aparelho proletário de classe, seja qual for, com vista a governar e a reprimir a resistência da burguesia, é conquistar o poder político.

8) A luta política não se reduz, portanto, apenas à questão da atitude face ao parlamentarismo. Abarca toda a luta de classes do proletariado, desde que essa luta deixe de ser local e parcial e tenha como objetivo a derrubada do regime capitalista.

9) O método fundamental da luta do proletariado contra a burguesia, quer dizer, contra o seu poder de Estado, é, em primeiro lugar, o da ação de massas. Estas últimas são organizadas e dirigidas pelas organizações de massa do proletariado (sindicatos, partidos, Sovietes) sob a direção geral do Partido Comunista, solidamente unido, disciplinado e centralizado. A guerra civil é uma guerra. Nesta guerra, o proletariado deve ter um bom corpo político de oficiais e um estado-maior político eficaz que dirija todas as operações em todos os domínios da ação.

10) A luta das massas constitui todo um sistema de ações em desenvolvimento contínuo que assume formas cada vez mais duras e conduzem, logicamente, à insurreição contra o Estado capitalista. Nesta luta de massas que se transformará em guerra civil, o partido dirigente do proletariado deve, regra geral, fortificar todas as posições legais, ter pontos de apoio secundários da sua ação revolucionária e subordiná-los ao plano da campanha principal, quer dizer, à luta de massas.

11) A tribuna do Parlamento burguês é um desses pontos de apoio secundários. Em nenhum dos casos se pode invocar contra a ação parlamentar o fato do Parlamento ser uma instituição do Estado burguês. Com efeito, o Partido Comunista não se encontra aí para desenvolver uma atividade orgânica, mas para ajudar as massas, do interior do Parlamento, a destruir pela sua ação independente o aparelho de Estado da burguesia e o próprio Parlamento. (Exemplos: a ação de Liebknecht na Alemanha, a dos bolcheviques na Duma czarista, na "Conferência Democrática" e no "Pré-Parlamento" de Kerensky, na Assembleia Constituinte, nas municipalidades, por último, a ação dos comunistas búlgaros).

12) Esta ação parlamentar que consiste, essencialmente, em utilizar a tribuna parlamentar para fazer a agitação revolucionária, para denunciar as manobras do adversário, para agrupar em torno de certas ideias as massas prisioneiras de ilusões democráticas e que, sobretudo nos países atrasados, voltam ainda os seus olhares para a tribuna parlamentar, esta ação deve estar totalmente subordinada aos objetivos e às tarefas da luta extraparlamentar das massas. A participação nas campanhas eleitorais e a propaganda revolucionária do cimo da tribuna parlamentar têm uma importância particular para a conquista política dos setores da classe operária que, como as massas trabalhadoras rurais, permaneceram até então, afastadas da vida política.

13) Os Comunistas se obtiverem a maioria nas municipalidades devem: a) dirigir uma oposição revolucionária contra o poder burguês; b) esforçar-se por ajudar, por todos os meios, as camadas mais pobres da população (medidas econômicas, criação ou tentativa da criação de uma milícia operária armada, etc. . . .); c) revelar em qualquer ocasião os obstáculos levantados pelo Estado burguês a todas as reformas radicais; d) desenvolver sobre esta base uma propaganda revolucionária enérgica sem temer o conflito com o poder burguês; e) substituir em certas circunstâncias as municipalidades por Sovietes de deputados operários. Toda a ação dos comunistas nas municipalidades deve integrar-se na sua atividade geral para a derrubada do Estado capitalista.

14) A campanha eleitoral deve ser conduzida, não no sentido da obtenção do máximo de mandatos parlamentares, mas no sentido da mobilização das massas debaixo das palavras de ordem da revolução proletária. A luta eleitoral não deve ser feita apenas pelos dirigentes do Partido; o conjunto dos seus membros deve tomar parte nela. Todo o movimento de massas deve ser utilizado (greves, manifestações, agitação no exército e na marinha, etc.); estabelecer-se-á com este movimento um contato estreito. Todas as organizações proletárias de massa devem ser mobilizadas para um trabalho ativo.

15) Quando estas condições, assim como as contidas em instruções particulares são cumpridas, a atividade parlamentar está em completa oposição com a repugnante politiquice dos partidos socialdemocratas de todos os países, cujos deputados estão no Parlamento para apoiar esta "instituição democrática" ou, no melhor dos casos, para a "conquista" . O Partido Comunista só pode admitir a utilização exclusivamente revolucionária do parlamentarismo, tal como o fizeram Karl Liebknecht, Hoeglund e os bolcheviques.

16) O "antiparlamentarismo" de princípio, concebido como a recusa absoluta e categórica em participar nas eleições e na ação parlamentar revolucionária, não é mais do que uma doutrina infantil e ingênua que não resiste à crítica. Resultando por vezes de uma sã aversão pelos politiqueiros parlamentares, não reconhece, por outro lado, a possibilidade do parlamentarismo revolucionário. Além disso, esta doutrina está muitas vezes ligada a uma concepção errada de Partido, que não é considerado a vanguarda operária organizada para a luta, de forma centralizada, mas como um sistema descentralizado de grupos mal ligados entre si.

17) Por outro lado, admitir por princípio a ação parlamentar revolucionária não implica de modo algum que se participe efetivamente em todos os casos nas eleições e em determinadas assembleias parlamentares. Isso depende de uma série de condições específicas. A saída dos comunistas do Parlamento pode ser necessária em determinados momentos. É o caso dos bolcheviques quando se retiraram do Pré-parlamento de Kerensky com a finalidade de o atacar, de o paralisar e de lhe opor brutalmente o Soviete de Petrogrado antes de tomar a direção da insurreição; quando decidiram dissolver a Constituinte, deslocando assim o centro de gravidade dos acontecimentos políticos para o III Congresso dos Sovietes. Outras vezes, impõe-se o boicote das eleições e o aniquilamento imediato pela força de todo o aparelho de Estado e da camarilha parlamentar burguesa; ou por vezes, a participação nas eleições combinada com o boicote do próprio Parlamento, etc. . . .

18) Por consequência, reconhecendo a necessidade de participar, em regra geral nas eleições parlamentares e nas municipalidades, o Partido Comunista deve decidir a questão em cada caso concreto, tendo em conta as particularidades específicas da situação. O boicote das eleições e do Parlamento, assim como a saída do Parlamento, são sobretudo hipóteses admissíveis em condições que permitam a passagem imediata à luta armada para a conquista do poder.

19) É indispensável ter sempre em conta o caráter relativamente secundário desta questão. Residindo o centro de gravidade na luta extraparlamentar pela conquista do poder político, conclui-se que a questão geral da ditadura do proletariado e da luta de massas por essa ditadura não pode ser posta no mesmo plano que a questão particular da utilização do parlamentarismo.

20) Eis, porque a Internacional Comunista afirma, de maneira categórica, que considera uma falta grave para com o movimento operário toda a cisão ou tentativa de cisão provocada no seio do Partido Comunista por esta questão e unicamente por esta questão. O Congresso apela para todos os partidários da luta de massas pela ditadura do proletariado, sob a direção de um partido centralizado influenciando todas as organizações de massa do proletariado, a realizar a unidade completa dos elementos comunistas, apesar das divergências quanto à utilização dos Parlamentos burgueses.



[1] LÊNIN, V.I. “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo” in Obras escolhidas – Vol. 3, p. 289. Os grifos são nossos.

[2] LÊNIN, V.I. “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo” in Obras escolhidas – Vol. 3, p. 309-310.

[3] LÊNIN, V.I. “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo” in Obras escolhidas – Vol. 3, p. 309.

[4] LÊNIN, V.I. “A doença infantil do ‘esquerdismo’ no comunismo” in Obras escolhidas – Vol. 3, p. 310.

[5] Ver WORLD BANK. World Development Report 2017 - Governance and the Law, p. 228. Disponível em https://www.worldbank.org/en/publication/wdr2017.

[6] Ver Agência Brasil, Taxa de abstenção na eleição presidencial é a maior desde 1998. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/taxa-de-abstencao-na-eleicao-presidencial-e-maior-desde-1998, consultado em 23/09/2020.

[7] Ver Datafolha, Forças Armadas têm maior grau de confiança entre instituições. Disponível em http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2019/07/1988221-forcas-armadas-tem-maior-grau-de-confianca-entre-instituicoes.shtml, consultado em 23/09/2020.

[8] LÊNIN, V.I. “O Estado e a Revolução” in Obras escolhidas – Vol. 2, p. 223.

[9] Os grifos, neste período e nos seguintes, são nossos.

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