[Nota
do blog]: Este texto é uma das primeiras respostas do Partido Comunista
da China (PCCh) ao XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS),
realizado em 25 de fevereiro de 1956, e um dos primeiros documentos da ruptura
sino-soviética. Publicado pouco mais de um mês depois do XX Congresso do PCUS, "Sobre
a experiência histórica da ditadura do proletariado" apresenta as posições do
PCCh diante das questões colocadas pela crítica do “culto à personalidade” e dos erros de
Stalin, afirmando a necessidade de uma análise rigorosa que saiba distinguir entre os
erros e acertos na experiência da construção da URSS do fim dos anos 20 em diante e é
complementado por um segundo texto, "Ainda sobre a experiência histórica da
ditadura do proletariado". Ainda que a ala revolucionária do PCCh continuasse a reafirmar a importância das principais posições afirmadas em "Sobre
a experiência histórica da ditadura do proletariado", posteriormente os revolucionários chineses passariam a se
opor abertamente e a criticar de maneira dura e consequente a linha política seguida pelo PCUS depois do XX Congresso, em especial
depois do conhecimento do conteúdo do “Discurso secreto” de Khruschov, que preparava a guinada revisionista do PCUS. Como se sabe, esta guinada revisionista se apoiou ideologicamente na
campanha inquisitorial de falsificação e de condenação irrestrita da figura de Stalin lançada
pelo "discurso secreto" de Khruschov. A aparência superficial de uma crítica científica dos erros do processo de transição soviético até 1952 lançada pelo XX Congresso estava, na verdade, a serviço da campanha de falsificação e de demonização revisionista. O PCCh lutará duramente contra esta linha, tanto nacional quanto internacionalmente, chegando a uma ruptura aberta com o revisionismo soviético no ano de 1961. Por isso a necessidade de enfatizarmos que a passagem a uma
crítica aberta do PCUS não quer dizer, no entanto, que a postura do PCCh tenha
mudado em relação a sua avaliação da experiência da ditadura do proletariado na
URSS, mas que era necessário, na situação histórica posterior, traçar uma linha
divisória entre as suas posições políticas e as posições políticas do bloco
soviético. Para Ainda sobre a experiência histórica da ditadura do
proletariado, ver https://www.marxists.org/portugues/tematica/1956/12/29.htm.
Para o “Discurso secreto” de Khruschov (em inglês), ver https://archive.org/details/TheCrimesOfTheStalinEraSpecialReportToThe20thCongressOfTheCommunistPartyOfTheSovietUnion/page/n5.
Para a resposta chinesa a essas posições e a síntese mais completa do debate, ver a publicação do Núcleo de Estudos do Marxismo-leninismo-maoismo, A Carta Chinesa: A
grande batalha ideológica que o Brasil não viu. Belo Horizonte: Núcleo de
Estudos do Marxismo-leninismo-maoismo/Terra editora. 2003.
Sobre a experiência histórica da ditadura do proletariado
-
pelo Comitê Editorial do Renmin Ribao (Diário do Povo)[1]
O
XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética sintetizou a experiência
acumulada tanto com as relações internacionais quanto com a construção interna.
Ele tomou uma série de decisões importantes sobre uma implementação firme da
política de Lênin a respeito da possibilidade de uma coexistência pacífica
entre países com diferentes sistemas sociais, do desenvolvimento da democracia
soviética, sobre a observação do princípio de liderança coletiva do Partido,
sobre a crítica dos limites no interior do partido e sobre o sexto Plano
Quinquenal para o desenvolvimento da economia nacional.
A
questão do combate ao culto do indivíduo ocupou um lugar importante nas
discussões do XX Congresso. O Congresso expôs de maneira bastante enfática a
dominação do culto do indivíduo que, por um longo tempo na vida soviética, deu
origem a muitos erros de trabalho e levou a consequências ruins. Essa
autocrítica corajosa de seus erros passados feitas pelo Partido Comunista da
União Soviética demonstrou o alto nível dos princípios da vida intrapartidária
e a grande vitalidade do marxismo-leninismo.
Na
história e em todos os países capitalistas de hoje, nenhum partido político ou
bloco governante a serviço das classes exploradoras jamais se arriscou a expor
seus erros sérios de maneira consciente diante das massas de seus próprios
membros e do povo. Com os partidos da classe trabalhadora, as coisas são
completamente diferentes. Os partidos da classe trabalhadora servem às grandes
massas do povo; com a autocrítica esses partidos não perdem nada a não ser seus
erros, eles ganham o apoio das grandes massas do povo.
Já
por mais de um mês, os reacionários por todo o mundo têm se curvado alegremente
sobre a autocrítica do Partido Comunista da União Soviética sobre o culto do
indivíduo. Eles dizem: “Ótimo! O Partido
Comunista da União Soviética, o primeiro a estabelecer uma ordem socialista,
cometeu erros grandes e, o que é pior, foi o próprio Stalin, esse líder
amplamente reconhecido e honrado, quem os cometeu!” Os reacionários pensam que
ganharam alguma coisa com a qual desacreditar o
Partido Comunista da União Soviética e outros países. Mas eles não
conseguiram nada com todo esse esforço. Algum dirigente marxista já escreveu
que ele nunca cometeria erros ou que é absolutamente impossível que um
comunista erre? Não é exatamente porque nós, marxistas-leninistas, negamos a
existência de um “semideus” que nunca comete erros grandes ou pequenos que nós,
comunistas, fazemos uso da crítica e da autocrítica em nossa vida dentro do
partido? Além disso, como pode ser concebível que um Estado socialista que foi
o primeiro no mundo a colocar a ditadura do proletariado em prática, que não
tinha antes dele nenhum precedente, não devesse cometer erros de um tipo ou de
outro?
Lênin
disse em outubro de 1921:
Que
os vira-latas e porcos decadentes da burguesia e os democratas
pequeno-burgueses que correm atrás deles jogando uma pilha de pragas, acusações
e escárnio sobre nós por nossas dificuldades e erros no trabalho da construção
do sistema soviético. Nós não nos esquecemos nem por um momento que cometemos e
estamos cometendo muitos erros e estamos sofrendo dificuldades sérias. Como
dificuldades e erros podem ser evitados em uma tarefa tão nova na história
mundial como a construção de uma estrutura de Estado de um tipo sem precedente
nenhum?! Devemos lutar incessantemente para corrigir nossas dificuldades e
erros e melhorar nossa aplicação prática dos princípios soviéticos, que ainda
estão muito, muito longe de serem perfeitos[2].
Também
é inconcebível que certos erros cometidos antes devam impedir para sempre a
possibilidade de cometer outros erros posteriormente ou de repetir erros
passados em um grau maior ou menor. Desde que se dividiu em classes com
interesses conflitantes, a sociedade humana passou por vários milhares de anos
de ditaduras – de senhores de escravos, senhores feudais e da burguesia; mas
foi só com a vitória da Revolução de Outubro que a humanidade começou a ver a
ditadura do proletariado em ação. Os três primeiros tipos de ditaduras são todos
ditaduras das classes exploradoras, ainda que a ditadura dos senhores feudais
fosse mais progressista do que a dos senhores de escravos, e a da burguesia
mais progressista que a dos senhores feudais. Essas classes exploradoras, que
já tiveram um certo papel progressivo na história do desenvolvimento social,
invariavelmente acumularam experiência em sua dominação cometendo um sem número
de erros de importância histórica durante longos períodos de tempo e repetindo
esses erros várias vezes. Ainda assim, com o acirramento da contradição entre
as relações de produção que elas representavam e as forças produtivas da
sociedade, ainda assim elas inevitavelmente cometeram erros, cada vez maiores,
levando à revoltas massivas das classes oprimidas e à desintegração em suas
próprias fileiras, e assim chegando eventualmente até sua própria destruição. A
ditadura do proletariado é fundamentalmente diferente em sua natureza de
qualquer um dos tipos anteriores de ditadura, que eram ditaduras das classes
exploradoras. Ela é uma ditadura da classe explorada, uma ditadura da maioria
sobre a minoria, uma ditadura com o objetivo de criar uma sociedade socialista
em que não há exploração nem pobreza, e é a mais progressista e a última
ditadura da história da humanidade. Mas, uma vez que essa ditadura assume as
maiores e mais difíceis tarefas e é confrontada com uma luta que é a mais
complicada e tortuosa na história, assim, muitos erros, como Lênin disse,
acontecerão na sua operação. Se alguns comunistas cedem à pretensão e ao orgulho
e desenvolvem uma maneira rígida de pensar, eles podem até repetir os seus
próprios erros ou o de outros. Nós, comunistas, temos que ter atenção a isto.
Para derrotar inimigos poderosos, a ditadura do proletariado exige um alto
nível de centralização do poder. Esse poder altamente centralizado deve ser
combinado com um alto nível de democracia. Quando há uma ênfase inadequada na
centralização, muitos erros irão acontecer. Isso é bastante compreensível. Mais
quaisquer que sejam os erros, a ditadura do proletariado é, para as massas
populares, sempre muito superior às ditaduras das classes exploradora e à
ditadura da burguesia. Lênin estava certo quando disse:
Se
nossos inimigos nos reprovam e dizem que o próprio Lênin admite que os
bolcheviques fizeram uma série de coisas imbecis, eu quero responder dizendo:
sim, mas vocês sabem que as coisas imbecis que fizemos são completamente
diferentes das que vocês fizeram?
As
classes exploradoras, através do roubo, todas esperaram perpetuar a sua
ditadura geração após geração, e para isso recorreram a todos os meios
possíveis para moer o povo. Os seus erros não têm remédio. Por outro lado, o
proletariado, que luta pela emancipação material e espiritual do povo, usa sua
ditadura para concretizar o comunismo, para concretizar a harmonia e a
igualdade entre a humanidade, e faz com que a sua ditadura gradualmente
definhe. É por isso que ele faz o máximo para mobilizar a iniciativa e o papel
positivo das massas. O fato de que, sob a ditadura do proletariado, é possível
mobilizar sem limites a iniciativa e o papel positivo das massas, também torna
possível corrigir qualquer erro cometido durante a ditadura do proletariado.
Líderes
de Partidos Comunistas e Estados socialistas em vários campos estão obrigados a
fazer o máximo para reduzir os erros, evitar os erros sérios, se empenhar para
aprender com os erros isolados, locais e temporários e fazer todos os esforços
para evitar que eles se desenvolvam em erros de alcance nacional e de natureza
prolongada. Para fazer isso, todo líder deve ser prudente e modesto, se manter
próximo das massas, consultá-las em todas as questões, investigar e estudar a
situação atual a todo momento e constantemente praticar a crítica e a
autocrítica ajustadas à situação e bem medidas. Foi precisamente por sua falha
em fazer isso que Stalin, como líder maior do Partido e do Estado, cometeu
certos erros sérios nos últimos anos de seu trabalho. Ele se tornou pretensioso
e imprudente. O subjetivismo e a unilateralidade se desenvolveram em seu pensamento
e ele tomou decisões erradas em certas questões importantes, que levaram a
consequências graves.
Com
a vitória da Grande Revolução Socialista de Outubro, o povo e o Partido
Comunista da União Soviética, sob a liderança de Lênin, estabeleceu o primeiro
Estado socialista em um sexto da Terra. A União Soviética rapidamente avançou
para a industrialização socialista e a coletivização da agricultura,
desenvolveu a ciência e a cultura socialistas, estabeleceu uma sólida união de
várias nacionalidades na forma de uma união de sovietes, e nacionalidades antes
atrasadas na União Soviética se tornaram nacionalidades socialistas. Durante a
Segunda Guerra Mundial, a União Soviética foi a principal força na derrota do
fascismo e no salvamento da civilização europeia. Ela também ajudou os povos do
leste a derrotar o militarismo japonês. Todas essas conquistas gloriosas
apontavam para toda a humanidade o seu futuro brilhante – o socialismo e o
comunismo, abalou seriamente a dominação
do imperialismo e tornou a União Soviética o primeiro e mais forte bastião na
luta pela paz mundial. A União Soviética encorajou e apoiou outros países
socialistas em sua construção e foi uma inspiração para o movimento socialista
mundial, o movimento anticolonialista e todos os outros movimentos para o
progresso da humanidade. Essas foram as grandes conquistas feitas pelo povo e o
Partido Comunista da União Soviética na história da humanidade. O homem que
liderou o povo soviético e o Partido Comunista no caminho para essas grandes
vitórias foi Lênin. Na luta para por em prática os princípios de Lênin, o
Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética, com sua liderança
vigorosa, mereceu seu crédito, no qual Stalin teve uma parte que não pode ser
apagada.
Depois
da morte de Lênin, Stalin, como o líder maior do Partido e do Estado,
criativamente aplicou e desenvolveu o marxismo-leninismo. Na luta para defender
o legado do leninismo contra seus inimigos – os trotskistas, os zinovievistas e
outros agentes burgueses – Stalin expressou a vontade e os desejos do povo e se
provou um grande lutador marxista-leninista. A razão pela qual Stalin ganhou o
apoio do povo soviético e teve um importante papel na história foi
principalmente a de que ele, junto com outros líderes do Partido Comunista da União Soviética,
defendeu a linha de Lênin quanto à industrialização do Estado soviético e a
coletivização da agricultura. Mantendo essa linha, o Partido Comunista da União Soviética
concretizou a vitória do socialismo na União Soviética e criou as condições
para a vitória da União Soviética contra Hitler; essas vitórias do povo
soviético se conformaram aos interesses da classe trabalhadora do mundo e de
toda a humanidade progressista. Era, então, bastante natural que o nome de
Stalin fosse muito honrado por todo o mundo. Mas, tendo conquistado uma honra
tão grande entre o povo, tanto no seu país quanto no exterior, com sua
aplicação correta da linha leninista, Stalin erradamente exagerou seu próprio
papel e opôs sua autoridade individual à liderança coletiva, e como resultado
algumas de suas ações foram contrárias a
certos conceitos fundamentais do marxismo-leninismo que ele mesmo havia
defendido. Por um lado, ele reconheceu que as massas faziam a história, que o
Partido deve manter constantemente o contato com o povo e que a democracia no
interior do partido e a autocrítica e a crítica devem ser desenvolvidas. Por
outro lado, ele aceitou e impulsionou o culto do indivíduo, e se permitiu ações
individuais arbitrárias. Assim, Stalin se colocou em contradição nessa questão
na parte final de sua vida, com um desacordo entre sua teoria e sua prática.
Os
marxistas-leninistas afirmam que os líderes têm um grande papel na história. O
povo e os seus partidos precisam de precursores que consigam representar os
interesses eu desejo do povo, se colocar na dianteira de suas lutas históricas
e servir como seus líderes. É totalmente errado negar o papel do indivíduo, o
papel dos precursores e líderes. Mas quando qualquer líder do Partido ou do
Estado se coloca acima do Partido e das massas e não no seu interior, quando
ele se aliena das massas, ele deixa de ter uma percepção ampla e profunda nas
questões do Estado. Enquanto foi esse o caso, mesmo uma personalidade tão
impressionante quanto a de Stalin não poderia evitar tomar decisões irrealistas
e erradas em certas questões importantes. Stalin falhou em retirar lições de
erros isolados, locais e temporários em certas questões, e assim falhou em
evitar que se tornassem erros sérios de alcance nacional e de natureza prolongada.
Durante a parte final de sua vida, Stalin tinha cada vez mais gosto nesse culto
do indivíduo e violou o sistema de centralismo democrático do Partido e o
princípio de combinar a liderança coletiva com a responsabilidade individual.
Como resultado, ele cometeu alguns erros sérios, como os seguintes: ele ampliou
o alcance da supressão da contrarrevolução; ele não teve a vigilância
necessária nas vésperas da guerra antifascista; ele falhou em dar a atenção
devida ao maior desenvolvimento da agricultura e ao bem-estar material do
campesinato; ele deu certos conselhos errados ao movimento comunista
internacional e, em particular, tomou uma decisão errada quanto à questão da
Iugoslávia. Sobre essas questões, Stalin foi vítima do subjetivismo e da
unilateralidade, e se separou da realidade objetiva e das massas.
O
culto do indivíduo é uma péssima herança da longa história da humanidade. O
culto do indivíduo está enraizado não apenas nas classes exploradoras, mas
também nos pequenos produtores. Como bem se sabe, o patriarcalismo é produto da
economia dos pequenos produtores. Depois do estabelecimento da ditadura do
proletariado, até mesmo quando as classes exploradoras forem eliminadas, quando
a economia dos pequenos produtores tiver sido substituída pela economia
coletiva e a sociedade socialista tiver sido fundada, certas sobrevivências
ideológicas apodrecidas e venenosas da velha sociedade podem ainda permanecer
nas mentes das pessoas por um longo tempo. “A força do hábito de milhões e de
dezenas de milhões é a força mais terrível” (Lênin). O culto do indivíduo é uma
força do hábito de milhões e dezenas de milhões desse tipo. Uma vez que essa
força do hábito ainda existe na sociedade, ela pode influenciar muitos
funcionários de governo e mesmo um líder como Stalin também foi afetado por
ele. O culto do indivíduo é um reflexo, na mente humana, de um fenômeno social, e quando líderes do
Partido e do Estado, como Stalin, sucumbem à influência dessa ideologia
atrasada, eles irão por sua vez influenciar a sociedade, gerando perdas à causa
e bloqueando a iniciativa e a criatividade das massas do povo.
As
forças produtivas socialistas, o sistema econômico e político do socialismo e a
vida do Partido, na medida em que se desenvolvem, cada vez mais entram em
contradição e conflito com um estado mental como o culto do indivíduo. A luta
contra o culto do indivíduo que foi lançada pelo XX Congresso é uma luta grande
e corajosa travada pelos comunistas e pelo povo da União Soviética para limpar
os obstáculos ideológicos no caminho de seu avanço.
Tais
ideias ingênuas parecem sugerir que as contradições não existem mais em uma
sociedade socialista. Negar a existência de contradições é negar a dialética.
As contradições nas várias sociedades diferem de caráter assim como as formas
de sua solução, mas as sociedades de todos os tempos se desenvolvem através de
contradições contínuas. A sociedade socialista também se desenvolve através de
contradições entre as forças produtivas e as relações de produção. Em uma
sociedade socialista ou comunista, as inovações técnicas e o desenvolvimento do
sistema social inevitavelmente continuam a acontecer; caso contrário, o
desenvolvimento da sociedade chegaria a um ponto final e a sociedade não
poderia mais avançar. A humanidade ainda está em sua juventude. O caminho que
ela ainda tem que atravessar ninguém sabe o quantas vezes será muito maior do
que o caminho que ela já atravessou. Contradições, como entre o progresso e o
conservadorismo, entre o avançado e o atrasado, entre o positivo e o negativo,
irão acontecer constantemente em condições variadas e circunstâncias
diferentes. As coisas continuarão assim: uma contradição levará a outra; e
quando as velhas contradições forem resolvidas, novas irão aparecer. É
obviamente incorreto afirmar, como algumas pessoas fazem, que a contradição
entre o idealismo e o materialismo pode ser eliminada em uma sociedade
socialista ou comunista. Enquanto existirem contradições entre o subjetivo e o
objetivo, entre o avançado e o atrasado, entre as forças produtivas e as
relações de produção, a contradição entre o materialismo e o idealismo irá
continuar em uma sociedade socialista ou comunista, e irá se manifestar de
várias formas. Uma vez que o homem vive em sociedade, ele reflete, em
diferentes circunstâncias e em graus variados, as contradições existentes em
cada forma de sociedade. Assim, nem todos serão perfeitos, mesmo quando uma
sociedade comunista for estabelecida. Nesse momento ainda haverá contradições
no meio do povo, e ainda haverão boas pessoas e más pessoas, pessoas cujo
pensamento está relativamente correto e outras cujo pensamento está
relativamente incorreto. Portanto, ainda haverá luta entre as pessoas, mas a
sua natureza e sua forma serão muito diferentes das de uma sociedade de
classes. Visto assim, a existência de contradições entre o indivíduo e o
coletivo em uma sociedade socialista não tem nada de estranho. E se qualquer
líder do Partido ou do Estado se isola da liderança coletiva, das massas do
povo e da vida real, ele irá inevitavelmente cair em maneiras rígidas de pensar
e consequentemente irá cometer erros graves. O que devemos evitar é que algumas
pessoas, porque o Partido e o Estado atingiram muitos sucessos no trabalho e
conquistaram uma grande confiança das massas, tirem vantagem dessa confiança
para abusar de sua autoridade e, assim, cometam alguns erros.
O
Partido Comunista da China parabeniza o Partido Comunista da União Soviética em
suas grandes conquistas em sua luta histórica contra o culto do indivíduo. A
experiência da Revolução Chinesa também testemunha que é apenas confiando na
sabedoria das massas do povo, no centralismo democrático e no sistema de
combinar a liderança coletiva com a responsabilidade individual que nosso
partido pode alcançar grandes vitórias e realizar grandes coisas em tempos de
revolução e em tempos de construção nacional. O Partido Comunista da China, nos
seus quadros revolucionários, tem lutado constantemente contra a elevação do
indivíduo e contra o heroísmo individualista, ambos dos quais significam isolamento
das massas. Sem dúvidas, essas coisas ainda existirão por um longo período de
tempo. Mesmo quando superadas, elas emergem novamente. Elas se encontram hora
em uma pessoa, hora em outra. Quando atenção é dada ao papel do indivíduo, o
papel das massas e do coletivo frequentemente é ignorado. É por isso que alguns
caem facilmente no erro do autoengano ou na fé cega em si mesmos, ou na
adoração cega por outros. Devemos, com isso, prestar atenção constante na
oposição à elevação individual, ao heroísmo individualista e ao culto do
indivíduo.
Para
impedir métodos subjetivistas de liderança, o Comitê Central do Partido
Comunista da China adotou a resolução de julho de 1943 sobre os métodos de
liderança. Ao discutir agora a questão da liderança coletiva no Partido, ainda
é importante para todos os membros do Partido Comunista da China e seus quadros
dirigentes a se referirem a essa resolução, que declarou:
Em
todo trabalho prático de nosso Partido, a liderança correta só pode ser
desenvolvida com o princípio de “das massas, para as massas”. Isso quer dizer
reunir (i.e. coordenar e sistematizar depois de um estudo cuidadoso) as ideias
das massas (i.e. ideias dispersas e assistemáticas), então levar as ideias
elaboradas de volta para as massas, explicá-las e popularizá-las até que as
massas abracem essas ideias como suas próprias, as defendam e as traduzam em
ação como meio de testar sua justeza. Então é necessário mais uma vez reunir as
ideias das massas, e mais uma vez levar as ideias elaboradas de volta para as massas,
para que as massas deem a elas seu apoio integral… e daí em diante,
repetidamente, de modo que a cada vez essas ideias surjam com maior justeza e
se tornem mais vitais e significativas. É isso o que a teoria do conhecimento
marxista nos ensina.
Por
muito tempo, esse método de liderança foi descrito em nosso Partido pelo termo
popular “linha de massas”. Toda a história de nosso trabalho nos ensina que
sempre que essa linha é seguida, o trabalho é bom ou relativamente bom, e mesmo
quando surgem erros eles são fáceis de retificar; mas sempre que nos afastamos
dessa linha, o trabalho é atrapalhado por dificuldades. Esse é o método de
direção marxista-leninista, a linha de trabalho marxista-leninista. Depois da
vitória da revolução, quando a classe trabalhadora e o Partido Comunista se
tornaram a classe e o partido dirigentes no Estado, o pessoal dirigente do
partido e do Estado, cercados pelo burocratismo de muitos lados, encara o
perigo de usar a maquinaria do Estado para realizar uma ação arbitrária, nos
alienando das massas e da liderança coletiva, recorrendo ao mandonismo e
violando a democracia do Partido e do Estado. Assim, se queremos evitar cair
nesse atoleiro, devemos prestar toda atenção ao uso do método de direção da
linha de massas, para não permitir a menor negligência. Com esse objetivo, é
necessário para nós estabelecer certos sistemas, de maneira a assegurar a
implementação ampla da linha de massas e da liderança coletiva, para evitar a
elevação do indivíduo e o heroísmo individualista, os dois querendo dizer
separação das massas, e reduzir ao mínimo o subjetivismo e a unilateralidade em
nosso trabalho, o que representa uma separação da realidade objetiva.
Devemos
aprender com a luta do Partido Comunista da União Soviética contra o culto do
indivíduo e continuar nossa luta contra o doutrinarismo.
A
classe trabalhadora e as massas do povo, guiados pelo marxismo-leninismo,
ganharam a revolução e tomaram o poder de Estado em suas mãos, enquanto a
vitória da revolução e o estabelecimento de um regime revolucionário abriram
caminhos ilimitados para o desenvolvimento do marxismo-leninismo. Ainda assim,
ainda que o marxismo, desde a vitória da revolução, tenha sido geralmente
reconhecido como a ideologia orientadora de todo o país, frequentemente acontece
que não poucos dos nossos propagandistas se apoiam apenas no poder
administrativo e no prestígio do partido para colocar na mente das massas o
marxismo-leninismo em forma de dogma, ao invés de trabalhar duro, recolhendo
uma série de dados, empregando métodos de análise marxistas-leninistas e usando
a própria linguagem do povo para explicar de maneira convincente a integração
das verdades universais do marxismo-leninismo com a situação atual da China.
Temos, ao longo dos anos, feito alguns avanços nas pesquisas em filosofia,
economia, história e crítica literária, mas, no todo, muitos elementos ruins
ainda existem. Não poucos dos nossos pesquisadores ainda mantém seu hábito
doutrinário, colocam suas mentes em um laço, não têm a habilidade de pensar de
maneira independente, não têm espírito criativo e, em certos aspectos, são
influenciados pelo culto de Stalin. Em relação a isso, deve ser apontado que os
trabalhos de Stalin devem, como antes, ser seriamente estudados e que devemos
aceitar, como um importante legado histórico, tudo o que for de valor neles,
especialmente os muitos trabalhos em que ele defendeu o leninismo e
corretamente sintetizou a experiência da construção da União Soviética. Não
fazer isso seria um erro. Mas existem duas maneiras de estudá-los: a maneira
marxista e a maneira doutrinária. Algumas pessoas tratam os escritos de Stalin
de maneira doutrinária, com o resultado de que não conseguem analisar e ver o
que está correto e o que não é correto – e mesmo o que está correto é tratado
como um remédio universal e aplicado de maneira indiscriminada;
inevitavelmente, eles cometem erros. Por exemplo, Stalin apresentou a
formulação de que em diferentes períodos revolucionários, o ataque principal
deve ser dirigido de maneira a isolar as forças sociais e políticas que no
momento ficam em cima do muro. Essa formulação deve ser tratada de acordo com
as circunstância de um ponto de vista crítico, marxista. Em certas
circunstâncias, pode ser correto isolar as forças intermediárias, mas não é
correto isolá-las todas em todas as circunstâncias. Nossa experiência nos
ensinou que o ataque principal da revolução deve ser dirigido contra o inimigo
principal, para isolá-lo, enquanto para as forças intermediárias, a política
tanto de nos unir com elas e de lutar contra elas deve ser adotada, de modo que
sejam pelo menos neutralizadas; e, conforme as circunstâncias permitirem,
esforços devem ser feitos para deslocá-las de uma posição de neutralidade para
uma posição de aliança conosco, com o propósito de facilitar o desenvolvimento
da revolução. Mas houve um tempo – os dez anos de guerra civil de 1927 a 1936 –
em que alguns dos nossos camaradas aplicaram de maneira bruta essa formulação
de Stalin à Revolução Chinesa, voltando o ataque principal contra as forças intermediárias,
isolando-as como o inimigo mais poderoso; o resultado foi que, ao invés de
isolar o inimigo real, nós nos isolamos e sofremos perdas, para a vantagem do
inimigo real. À luz desse erro doutrinário, o Comitê Central do Partido
Comunista da China, durante o período da guerra anti-japonesa, formulou a
política de “desenvolver as forças progressistas, conquistar os que estão em
cima do muro e isolar os conservadores” com o objetivo de derrotar os invasores
japoneses. As forças progressistas em questão consistiam nos operários,
camponeses e intelectuais revolucionários liderados pelo ou abertos à
influência do Partido Comunista. As forças intermediárias em questão consistiam
na burguesia nacional, os partidos e grupos democráticos e os democratas sem
afiliação partidária. Os conservadores em questão eram as forças
compradoras/feudais lideradas por Chiang Kai-shek, que eram passivas na
resistência aos japoneses e ativa no combate aos comunistas. A experiência,
adquirida com a prática, provou que essa política do Partido Comunista era
adequada às circunstâncias da Revolução Chinesa e estava correta.
O
fato invariável é: o doutrinarismo só é apreciado pelos mentalmente
preguiçosos; ele só traz prejuízos para a revolução, para o povo e para o
marxismo-leninismo. Para aumentar a iniciativa das massas, estimular o seu
espírito criativo dinâmico e promover um rápido desenvolvimento do trabalho
prático e teórico, ainda é necessário, neste momento, destruir a fé cega nos
dogmas.
A ditadura do proletariado (na China ela é uma ditadura
popular democrática dirigida pela classe trabalhadora) conquistou grandes
vitórias em países habitados por novecentos milhões de pessoas. Cada um deles,
seja a União Soviética, seja a China ou qualquer outra Democracia Popular, tem
a sua experiência de sucessos assim como sua experiência de erros. Devemos
continuar a elaborar essa experiência. Devemos estar atentos para a
possibilidade de que nós ainda podemos cometer erros no futuro, e a lição
importante a ser aprendida é que os órgãos de direção de nosso Partido devem
limitar os erros aos de natureza isolada, local e temporária, e não permitir
que erros isolados, locais e iniciais se desenvolvam em erros de alcance
nacional e natureza prolongada.
A história do Partido Comunista da China registrou vários
erros sérios em muitas ocasiões. No período revolucionário de 1924 a 1927,
apareceu em nosso Partido a linha errada representada por Chen Duxiu, uma linha
oportunista de direita. Então, durante o período revolucionário de 1927 a 1936,
a linha errada do oportunismo “de esquerda” apareceu em nosso Partido em três
ocasiões. As três linhas conduzidas por Li Lisan em 1930 e por Wang Ming em
1931-1934 foram especialmente sérias, enquanto a linha de Wang Ming foi a mais
prejudicial para a revolução. No mesmo período, a linha errada e anti-Partido
do oportunismo de direita de Zhang Guotao apareceu em oposição à linda do
Comitê Central do Partido, em uma área de base chave, causando sérios danos a
uma parte vital das forças revolucionárias. Os erros cometidos nesses dois
períodos foram de alcance nacional, exceto os causados pela linha de Zhang
Guotao, que foi confinada a uma importante base revolucionária. Mais uma vez,
surgiu em nosso Partido, durante a guerra de resistência contra a agressão japonesa,
uma linha errada, representada pelo camarada Wang Ming, que era de uma natureza
oportunista de direita. No entanto, uma vez que nosso Partido tinha tirado
lições do que havia acontecido nos dois períodos anteriores da revolução, essa
linha errada não conseguiu se desenvolver, mas foi corrigida pelo Comitê
Central de nosso Partido em um tempo comparativamente curto. Depois da fundação
da República Popular da China, apareceu em nosso Partido em 1953 o bloco
anti-Partido de Gao Gang e Rao Shushi. Esse bloco anti-Partido representava as
forças da reação doméstica e estrangeira, e seu objetivo era sabotar a
revolução. Se o Comitê Central não e tivesse descoberto cedo e o destruído a
tempo, um dano incalculável teria sido feito ao Partido e à revolução.
Por isso se verá que a experiência histórica de nosso
Partido testemunha que nosso Partido também foi temperado através de lutas
contra várias linhas políticas erradas, ganhando assim grandes vitórias na
revolução e na construção. Quanto aos erros locais e isolados, eles
frequentemente ocorreram em nosso trabalho, e foi apenas nos apoiando na
sabedoria coletiva do Partido e na sabedoria das massas do povo, e expondo e
corrigindo esses erros a tempo, que eles foram suprimidos logo cedo antes que
se tornassem erros de alcance nacional e natureza prolongada, causando danos ao
povo.
Os comunistas devem adotar uma atitude analítica com os
erros cometidos no movimento comunista. Algumas pessoas pensam que Stalin
estava errado em tudo; isso é uma concepção errada grave. Stalin foi um grande
marxista-leninista, e ao mesmo tempo um marxista-leninista que cometeu vários
grandes erros sem perceber que eram erros. Deveríamos encarar Stalin de um
ponto de vista histórico, fazer uma análise correta e completa para ver o que
estava certo e o que estava errado e tirar lições úteis daí. Tanto as coisas
certas quanto as coisas erradas que ele fez foram fenômenos do movimento
comunista internacional e têm a marca do seu tempo. Tomado como um todo, o
movimento comunista internacional tem apenas um pouco mais de cem anos de
idade, e fazem apenas 39 anos desde a vitória da Revolução de Outubro; a
experiência em muitos campos do trabalho revolucionário ainda é inadequada.
Grandes conquistas foram feitas, mas ainda existem limites e erros. Assim como
um avanço é seguindo por outro, da mesma maneira um defeito ou erro, uma vez
superado, pode ser seguido por outro que, por sua vez, deve ser superado. No
entanto, as conquistas sempre superam os defeitos, as coisas que estão certas
sempre supera as coisas que estão erradas, e os defeitos e erros são sempre
superados no fim.
A marca de um bom líder não é tanto que ele não cometa
erros, mas que ele leve seus erros a sério. Nunca houve um homem no mundo
completamente livre de erros. Lênin disse:
Admitir francamente um erro, apontando as razões por
ele, analisando as condições que levaram a ele, e discutindo amplamente os
meios de corrigi-lo – essa é a marca principal de um partido sério; essa é a
maneira pela qual ele deve executar suas tarefas, essa é a maneira pela qual
ele deve educar a classe, e então, as massas.
Se mantendo fiel às palavras de Lênin, o Partido Comunista
da União Soviética está lidando de maneira séria com certos erros de natureza
grave cometidos por Stalin na direção do trabalho de construção do socialismo e
com os efeitos sobreviventes destes erros. Em razão da seriedade dos efeitos, é
necessário para o Partido Comunista da União Soviética, ao mesmo tempo em que
afirma as grandes contribuições de Stalin, expor de maneira clara a essência de
seus erros, convocar todo o Partido a assumi-los como um aviso e trabalhar
seriamente para remover suas consequências ruins.
Nós, comunistas chineses, estamos firmemente convencidos
de que como resultado das críticas afiadas feitas no XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética, todos esses fatores negativos que foram
seriamente suprimidos no passado como resultado de certas políticas erradas
irão inevitavelmente florescer por todos os lugares, e o Partido e o povo da
União Soviética irão se tornar ainda mais firmemente unidos na construção de
uma grande sociedade comunista, como a humanidade ainda nunca viu, e conquistarão
a paz mundial duradoura.
As forças reacionárias em todo o mundo estão cobrindo este
evento de ridículo; eles estão zombando do fato de que estamos superando os
erros em nosso campo. Mas no que vai dar todo esse ridículo? Não há a menor
dúvida de que esses piadistas irão se encontrar diante de um campo de paz e
socialismo ainda mais poderoso e para sempre invencível, liderado pela União
Soviética, enquanto os planos assassinos e sanguessugas desses piadistas serão
bem corrigidos.
[1] Esse artigo foi escrito pelo Departamento
Editorial do Renmin Ribao (Diário do Povo) com base em uma
discussão em uma reunião ampliada do Núcleo Político do Comitê Central do
Partido Comunista da China. Ele foi publicado no Renmin Ribao em 5 de
abril de 1956.
[2] V. I. Lenin, Collected Works, Vol. II, Part
2, Moscow, 1952, p. 597.
Comentários
Postar um comentário