Ajith – O Partido Maoista


 

Quais deveriam ser as qualidades de uma organização que se tornaria a vanguarda de uma nova sociedade e de novos humanos, quais deveriam ser os métodos da construção de um Partido, e correspondendo a isso, qual deveria ser a posição do Partido na ditadura do proletariado? Um Partido proletário pode manter suas qualidades comunistas sem se tornar um Partido maoista? O Partido maoista é só mais um nome para um Partido comunista? Ou ele contém algo de novo, em sua própria natureza e métodos de trabalho?

Na era capitalista, as classes (e suas frações) exprimem e realizam seus interesses principalmente através de um partido político (uma organização social). Marx propôs a necessidade de que o proletariado formasse seu próprio partido para conquistar seus objetivos, lutando contra a classe inimiga. Isto foi desenvolvido como uma teoria científica, verificado e estabelecido pela prática, por Lênin. O núcleo do conceito de Partido leninista são os revolucionários profissionais; aqueles que se devotam completamente à atividade revolucionária, que fazem disso sua profissão. Além disso, a percepção de Lênin de que os operários não podem, por si mesmos, chegar a uma ideologia que oriente sua libertação, a proposição de que esta deve chegar a eles de fora foi apontada como uma apologia do elitismo. O conceito de Partido leninista é acusado de ser a expressão concreta desta mentalidade, que subestima o potencial dos operários. Alguns argumentam que enquanto os males desta concepção de Partido eram bloqueados pelas qualidades pessoais de Lênin, enquanto ele estava vivo, elas ganharam força em uma monstruosa dança de morte com Stalin.

Em primeiro lugar, temos que compreender as lutas ideológicas que aconteceram quanto a esta questão, durante o período em que o conceito de Partido leninista se formou. Seu ponto de partida foi o debate na Segunda Internacional do Partido Comunista da Rússia ainda unificado (então chamado de Partido Operário Social-Democrata da Rússia) sobre a questão dos estatutos do Partido. Os direitistas (e Trotsky também era parte deles) acusavam os estatutos propostos por Lênin de promover uma ultracentralização. Até mesmo sua insistência sobre os critérios de adesão, que tornavam obrigatória a entrada em um comitê do Partido e a participação em suas atividades práticas era, no seu ponto de vista, um exemplo de uma ultracentralização indesejada. A sua contraproposta permitira que qualquer um que auxiliasse o Partido se tornasse seu membro. Eles fariam, assim, do Partido uma organização dispersa de ativistas em tempo parcial. Essa era a diferencia crucial entre Lênin e seus adversários.

Lênin percebia claramente a necessidade de uma organização daqueles preparados para serem ativistas de linha de frente em um movimento revolucionário que tivesse o objetivo de conquistar o poder, daqueles que devotavam toda a sua vida a esta tarefa e, assim, adquiriam as qualidades de liderança e habilidades necessárias. O seu conceito de Partido evoluiu a partir desta perspectiva. A situação específica da Rússia tsarista, que impedia toda atividade aberta e tornava imperativo evitar constantemente a polícia secreta, certamente foi um fator de grande influência nisto. O peso destas especificidades pode ser vistos na insistência de Lênin de uma total centralização em favor dos órgãos de direção do Partido e uma divisão estrita de tarefas – quase como a divisão de trabalho nas fábricas modernas – entre os diferentes comitês do Partido e os membros destes comitês.

Mas também devemos notar que um afastamento do conceito de partido da Segunda Internacional estava implícito nesta orientação, ainda que pelo contexto imediato ela se dirigisse à situação russa. É aqui que Lênin se separa de seus contemporâneos sobre a questão do Partido. Deixando de lado os ataques de direitistas linha-dura, vamos elaborar a questão abordando as críticas de Rosa Luxemburgo, mas também de Trotsky (que esteve no campo revolucionário por um certo período).

Luxemburgo caracterizava Lênin como o representante de uma tendência “ultracentralista” no movimento revolucionário russo. Esta crítica estava fundada na sua visão da relação ente o movimento de massas revolucionário e o Partido. Luxemburgo afirmava que “o centralismo no sentido socialista não é uma coisa absoluta aplicável a qualquer fase do movimento operário. É uma tendência, que se torna real em proporção ao desenvolvimento e treinamento políticos conquistados pelas massas operárias ao longo de sua luta”; “O fato é que a social-democracia não é acrescentada à organização do proletariado. Ela mesma é o proletariado. E em razão disso, o centralismo social-democrata é essencialmente diferente do centralismo blanquista. Ele é, por assim dizer, um autocentralismo dos setores avançados do proletariado. É o poder da maioria em seu próprio Partido” (Problemas de organização da social-democracia russa). Esta narrativa, que enfatiza a natureza voluntária da centralização do Partido Comunista, nega mais ou menos a diferença entre a classe e seus elementos avançados, entre o Partido e o movimento revolucionário amplo. Embora Luxemburgo use a palavra “autocentralismo”, com efeito, ela se torna sinônimo de “espontâneo”. O enfraquecimento desta demarcação também é visível na contestação de Trotsky. “Se a divisão do trabalho pode ser considerada um princípio organizativo, ela só pode sê-lo na fábrica, mas nunca em um partido político de qualquer tipo, menos ainda no nosso – não é óbvio para nós que o ‘princípio’ da divisão do trabalho não é de maneira nenhuma a característica da organização que assumiu como tarefa desenvolver a consciência de classe do proletariado?” (Nossas tarefas políticas – Parte 3, Questões organizativas).

Lênin não negava a natureza voluntária da centralização partidária. Ela não é imposta, mas se adere voluntariamente a ela; conscientemente assumida por todos com preocupados com os interesses da revolução. Este é o conceito de centralização voluntária de Lênin. Contrariamente à “tendência” de Luxemburgo, que deve ser realizada ao longo da luta de classes, para Lênin os métodos de um Partido centralizado, incluindo sua divisão de tarefas, é algo que deve ser conscientemente estabelecido e treinado desde o início. Ainda assim, isso não nega a positividade da espontaneidade revolucionária.

Para repetir, o ponto de partida de Lênin era o tipo de organização necessária para organizar e implementar a revolução. Ele chegou a uma solução ao avaliar a situação concreta do inimigo e do povo, ao invés de começar com alguma noção preconcebida de revolução ou do proletariado e de seu desenvolvimento. Assim, durante o levante revolucionário de 1905, ao invés de uma estrita centralização e do recrutamento sistemático que ele vinha defendendo até então, Lênin defendeu formas de organizações capazes de incorporar o maior número de militantes de massa da classe operária (Novas tarefas e novas forças, Vol. 8, p. 209-220).

Não se tratava de Lênin ir contra o leninismo, isto ERA o leninismo. Nesta instância, ele se orientava pela avaliação de que o zelo revolucionário das massas visto naquela situação compensaria em grande medida sua fraqueza ideológica e política. Isto demonstrou ma grande fé nas massas e uma compreensão dialética da relação entre os passos conscientes e a espontaneidade em um movimento revolucionário. Sem dúvidas, a centralização leninista e seus princípios organizativos não são algo absoluto a ser implementado “independentemente da situação”. Esta divisão do trabalho não abandona a tarefa de aumentar a consciência de todos os membros do Partido e das mais amplas massas possíveis.

O Movimento Comunista Internacional posterior teria perdido o manejo exemplar e dialético do conceito de vanguarda de Lênin e os métodos organizativos formulados por ele? Seria muito mais interessante dar atenção a estas diferenças do que analisar os traços individuais dos líderes como Pearson faz. Lênin se preocupava com os perigos colocados pela universalização dos estatutos do Partido bolchevique, independentemente de tempo e lugar. Em um relatório para a Internacional Comunista (Comintern), Lênin observou que os seus princípios organizativos têm uma forte marca russa, e duvidava se os camaradas de outros países poderiam compreendê-los corretamente (Relatório ao IV Congresso da Internacional Comunista, Vol. 3, p. 415-432). Naqueles dias de urgência para romper com os métodos organizativos dispersos da II Internacional, esta preocupação não chamou muitas atenções. Enquanto isso, uma centralização mais estrita foi exigida do Partido Comunista da Rússia, que neste momento já havia se tornado o partido que governava. A unidade férrea do Partido teve uma importância crítica para a própria existência do Estado revolucionário. Este era o contexto em que o X Congresso do Partido russo decidiu acabar com todos os grupos no interior do Partido e suas publicações, se afastando de sua prática até então. Posteriormente, isto se tornou parte dos fundamentos dos princípios organizativos dos Partidos comunistas.

Ao longo deste período, Lênin, o Partido da Rússia e a Comintern tinha a posição de que o avanço revolucionário era iminente na Europa. Os desenvolvimentos políticos em vários países testemunhavam a favor disso. A imediatidade desta situação certamente influenciou a formulação dos princípios organizativos. No entanto, a situação revolucionária que estava se formando foi dissipada. Neste momento, Lênin chamou atenção para a necessidade de uma avaliação geral de maneira que se estabelecessem os passos futuros nesta situação de refluxo. Mas antes que ele pudesse se envolver neste problema, ele foi acamado pelas balas de um assassino e morreu. Não se sabe de o conceito de Partido e seus princípios organizativos estavam entre os problemas que ele tinha em mente para rever. De qualquer modo, isto não é o que aconteceu posteriormente. Os estatutos e métodos de trabalho adotados em situações particulares foram depois teorizados de maneira bastante mecânica.

O conceito de Stalin de um Partido monolítico teve um papel importante nestes erros mecanicistas. Este foi o modelo seguido pelo Movimento Comunista Internacional – até que ele foi criticado por Mao. A perspectiva de adoração do Partido como um poder que não poderia ser questionado e que estava sempre correto se fortaleceu. A influência deste pensamento mecanicista, que negava as contradições internas e a luta de classes no socialismo, era evidente no conceito de Partido de Stalin. O Partido não era compreendido como um espaço de contradições ativas, como uma entidade orgânica que deve continuamente renovar sua posição de liderança e relevância na sociedade pela resolução de contradições internas e externas. A luta ideológica se tornou formal. O centralismo democrático se congelou em relações de dominação e subordinação. Como se poderia esperar, havia uma diferença quanto a isto entre os Partidos no poder e os que lutavam para conquistá-lo. No caso dos últimos, as necessidades de perseverarem debaixo da repressão inimiga exigiam um maior apoio no povo. Autocrítica, retificação e lutas ideológicas sobre estas questões animavam a atmosfera do Partido. Ainda assim, as obrigações do conceito de Partido monolítico ainda estavam presentes. O expurgo de membros ganhou importância em comparação com a retificação ideológica. Enquanto o Partido mantinha sua orientação marxista-leninista isto normalmente significou a remoção do Partido daqueles que havia perdido suas qualidades comunistas. Mas mesmo então, a ideologia assumiu o lugar de trás no processo; o aspecto organizativo era enfatizado.

Mao rompeu com esta tradição negativa e com o pensamento mecanicista por detrás dela. Isto foi literalmente uma reconstrução do conceito de vanguarda. E isto abriu o caminho para uma compreensão mais profunda e mais rica do papel de direção do proletariado e do Partido leninista. A separação de Mao em relação ao conceito de Partido existente na época pode ser vista desde o início. Seu relatório sobre o movimento camponês de Hunan, escrito em 1972, observou que qualquer Partido revolucionário que falhasse em oferecer uma liderança ao campesinato insurgente seria rejeitado. Esta declaração, de que os camponeses – vistos como atrasados na teoria marxista até então – iria testar e determinar o caráter revolucionário do Partido proletário, e não era nada menos do que uma subversão ousada do pensamento absolutista do papel de direção do Partido comunista. Ela dava espaço para problematizar o papel histórico do proletariado na direção e o conceito de vanguarda.

Ainda que outras classes e frações sociais fossem importantes parceiros no movimento histórico para destruir o capitalismo (em sua fase superior do imperialismo), eles não podem fornecer uma direção. Em cada caso o problema da libertação é específico – terra no caso dos camponeses sem terras, opressão de casta no caso dos dalits, machismo no caso das mulheres, opressão étnica no caso dos Adivasis, opressão nacional no caso dos povos oprimidos, perseguição religiosa no caso das minorias e assim sucessivamente. Sendo específicas, elas também são parciais no contexto do todo do projeto revolucionário. Mas este não é o caso do proletariado. A exploração capitalista é diferente dos sistemas de exploração anteriores como o feudalismo/sistema de castas. Ela não impõe nenhuma outra compulsão aos operários além das dores da fome. E por isso, a princípio, eles são livres e não pode haver libertação específica que caiba a eles. Cada forma de exploração e opressão deve acabar. Assim, a emancipação de toda a humanidade se torna uma precondição para a libertação desta classe. O papel dirigente do proletariado é derivado desta posição social objetiva. Ela obriga o proletariado a continuar a revolução até o fim, até realizar um mundo sem exploração.

Se esta compreensão marxista da direção proletária for tomada como absoluta, ela certamente levaria à retificação. Tanto a história quanto o presente do Movimento Comunista Internacional ilustram como isto surge com equações mecânicas, em que proletariado = revolução e Partido comunista = vanguarda. Por outro lado, os impulsos economicistas frequentemente vistos nos estratos superiores do proletariado, a passividade social gerada pelas políticas revisionistas e reformistas que fortalecem este economicismo e as mudanças vistas na natureza do trabalho e dos locais de trabalho fizeram surgir pontos de vista que abandonam o conceito de direção proletária. Carregados pela onda das políticas identitárias, alguns acreditam que, no futuro, estes movimentos serão a direção da transformação social.

Assim, temos os dois. De um lado, a reificação do proletariado e do Partido comunista, um autocentramento que levanta esta bandeira para justificar necessidades passageiras como interesses comuns. Do outro, a exigência letárgica de reduzir nosso campo de visão ao parcial, de abandonar a tarefa nobre de um mundo livre de exploração, uma vez que se trata apenas de um mito. O maoismo corta ao meio este círculo vicioso. O papel dirigente do proletariado e a posição de vanguarda e de seu Partido comunista são potencialidades contidas em circunstâncias históricas. Ele só pode ser realizado pela intervenção criativa do movimento histórico em uma sociedade específica. Como em outros fenômenos, esta é uma unidade de opostos. Essa foi a importância do aviso de Mao no relatório de Hunan.

Podemos ver a continuidade com estes pontos nas observações que Mao fez, quase 50 anos depois, de que “a burguesia está dentro do Partido”. Ele chegou a essa conclusão pelas experiências da restauração do capitalismo na União Soviética e pela Revolução Cultural começada na China para impedi-la. Isto é algo que não pode ser compreendido com o conceito de Partido monolítico de Stalin. A presença burguesa para a qual Mao chamou a atenção era diferente de uma possível infiltração de agentes burgueses e sua corrupção dos membros do Partido. Isso é o que Lênin e Stalin buscaram impedir pelos expurgos no Partido. Mao estava falando de uma nova burguesia. Este é o produto de relações de produção capitalistas residuais tais como o direito burguês e o papel político/governante do Partido comunista na ditadura do proletariado, um elemento inevitável do socialismo. O fato decisivo na luta contra isto será a linha ideológico-política correta detalhando as múltip0las tarefas de continuar a revolução e seu desenvolvimento posterior. Se a linha revisionista toma o poder, a burguesia se tronará dominante no Partido. As cores do Partido e do Estado irão mudar.

Isto coloca ainda outra dialética da posição do Partido comunista como vanguarda. A fonte principal de perigo potencial que vimos acima não está apenas nas influências externas. Ela está contida na revolução que dirigiu, na sociedade criada a partir daí, em outras palavras, na unidade de opostos emergente criada pelo sucesso da iniciativa do Partido em ser uma vanguarda. Este potencial é o espelho oposto daquele que leva ao avanço para o comunismo. Qual deles será realizado em uma dada sociedade socialista é uma questão a ser resolvida pela luta de classes que acontece no Partido e na sociedade a cada momento histórico concreto. Compreender o Partido como uma unidade de opostos – este é o ponto de ruptura para estabelecer firmemente o conceito de Partido maoista tanto na teoria quanto na prática.

Tomando as lições da Revolução Chinesa e do Movimento Comunista Internacional, Mao elaborou uma série de proposições sobre o Partido. Um tema consistentemente e continuamente enfatizado é o de construir firmemente a consciência comunista de servir ao povo, indo contra as atitudes de superioridade nas relações entre o Partido e o povo, a direção e as bases. Isto não nega o papel ou a importância da direção. Mao estava contradizendo uma perspectiva que transformava a direção em um absoluto e fazia das massas e das bases discípulos, instrumentos passivos. Ele lembrou aos comunistas de que não importa o quão necessários sejam os quadros, são as massas que executam as coisas e, portanto não se poderia exagerar o papel dos quadros. Ele persistiu nisto na relação entre o Comitê Central e os comitês inferiores e naquela entre o Estado socialista e o povo. Na ausência de informação vinda dos níveis inferiores a direção central não pode chegar a decisões corretas. Em muitos momentos a solução pode ser encontrada nos próprios níveis inferiores, caso em que a tarefa do Comitê Central é propagar esta solução por todo país. Tais observações de Mao derrubam a ideia de uma liderança infalível. Elas também ajudam a explicitar a relação entre o princípio organizativo do centralismo democrático e a teoria marxista do conhecimento.  Mao apontava que a luta contra a burguesia não era o único elemento da luta de classes no socialismo. Ele incluía as contradições entre o Estado socialista e o povo e entre o Partido e o povo. Já nos anos 1950 ele avisava que o povo ensinaria àqueles que pensavam que podiam dominá-lo, agora que o poder havia sido tomado. Ele defendia o direito do povo de entrar em greve e protestar dizendo que o Partido comunista precisa aprender uma lição (Combater ideias burguesas no Partido, Discurso na Segunda Sessão Plenária do VIII Comitê Central do Partido Comunista da China, Obras escolhidas, Vol. 5).

O que chama a atenção aqui é a importância que ele colava na luta desde baixo, a iniciativa espontânea do povo. Esta compreensão da relação dialética entre a intervenção consciente desde cima e a pressão espontânea desde baixo, esta compreensão leninista perdida pelo Movimento Comunista Internacional nos entreatos, não foi apenas retomada por Mao. Ele a levou a um novo nível ao aplicá-la na Revolução Cultural na luta contra o perigo da restauração capitalista. Mao desenvolveu, assim, o conceito de Partido e o estabeleceu em novas fundações; não em alguns traços de comportamento individuais, mas em sólidos princípios político-ideológicos.

Em que medida o Partido Comunista da China dirigido por Mao assumiu essa novidade? Esta é uma questão relevante.  Ela serve como um ponto de entrada para avaliar a medida em que o movimento internacional que surgiu nos anos 1960 inspirado pelo Pensamento Mao Tsétung, ou os maoistas que estabeleceram a afirmação de uma maior clareza nos anos 1990, incorporaram e atualizaram o conceito de Partido de Mao. O Partido chinês foi forjado nos moldes da Comintern. Este aspecto, assim como seu pano de fundo para ter funcionado por tanto tempo com seus métodos e estilo, não deve ser esquecido enquanto buscamos uma resposta a nossa questão. Como notamos, Mao começou a se afastar deste modelo desde o início. Mas sua nova abordagem seria apenas estabelecida através da Revolução Cultural. De fato, os ensinamentos de Mao sobre o Partido foram sistematicamente compilados apenas em 1973 em um texto de Shanghai, Uma compreensão básica do Partido Comunista da China (três anos depois, o banimento deste livro foi apenas um dos primeiros atos dos capitalistas que usurparam o poder!).  Podemos então concluir que o Partido chinês estava passando por uma reforja de acordo com a abordagem maoista, ainda com muitas desigualdades neste processo. De fato, esta nova abordagem havia se desenvolvido pela prática revolucionária dirigente, enquanto integrava novas ideias com suas experiências.

Mas não seria suficiente marcar este limite imposto pelas condições. Também há a questão de uma ruptura incompleta com a abordagem da Comintern. Entre estes elementos, o culto construído ao redor de Mao merece uma atenção especial. Esta prática do culto da personalidade foi iniciada por Stalin e uma oposição total á perspectiva de Lênin. Quando o então líder soviético Kruschov preparava o solo ideologicamente para a restauração capitalista pela negação completa de Stalin, sob o disfarce de rejeitar seu culto, Mao assumiu a defesa de Stalin. Mas isto foi feito com uma crítica marxista dos erros de Stalin, diferenciando entre o que deve ser adotado e o que deve ser rejeitado. Devemos perguntar se isto foi completo.

Os cultos da personalidade nunca podem ser justificados no marxismo. Mas ao invés de rejeitá-los completamente, Mao se limitou a criticar suas manifestações extremas. Embora se busque justificar isto apelando para a situação complexa da luta de classes na China, é um princípio inaceitável em si mesmo. O problema não é a extensão do reconhecimento, ou se alguém merece ser reconhecido. Tais cultos alimentam uma consciência de infalibilidade de um indivíduo, uma liderança e indiretamente do Partido; algo rejeitado pelo conceito maoista de Partido, mas visto no adjetivo do Partido da China, “sempre correto”. Exemplos contemporâneos de Partidos maoistas justificando seus cultos da liderança citando Mao chamam a atenção para a necessidade de ter clareza sobre esta questão.

Em geral, o quanto os maoistas conseguiram romper com o conceito de Partido da Comintern? O quanto são maoistas os Partidos que estão construindo e dirigindo? Ainda que ninguém teorize, e assim legitime um deslocamento de estar com as massas e servir a elas para dominá-las, isto já pode ser visto em vários níveis. A fé cega no Partido ao invés de uma lealdade ao Partido centrada na política, a crença cega na infalibilidade da liderança e o culto de adoração, intolerância à oposição e à crítica, o pragmatismo que permite qualquer método se ele é “para o Partido e a revolução” – tais influências cominternistas são comumente vistas nos métodos de trabalho e na abordagem. O termo cominternista é usado porque estes não foram erros apenas de Stalin. Além disso, eles contêm problemas de todo um período da história do Movimento Comunista Internacional. Devemos acrescentar que houve problemas de perspectiva e crescimento. Porque este era um momento em que a ideologia comunista era difundida por todo o mundo, a formação de Partidos comunistas era promovida e um verdadeiro movimento proletário internacional foi formado. Um dos principais saltos dados pelo maoismo é a ruptura com as más tradições do período da Comintern, sem minimizar em nada com isso seu papel positivo. Isto deve ser ainda mais aprofundado. Os Partidos maoistas de hoje são, sem dúvida, continuadores dos Partidos comunistas passados. Mas suas fundações devem ser as alturas atingidas pelo maoismo no conceito de vanguarda, e não a perspectiva e os métodos do passado. 

 

- traduzido a partir de http://library.redspark.nu/2009_-_The_Maoist_Party. 

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