Sobre as formações híbridas - Parte 1: Modos de produção, formações sociais e formações sociais híbridas


 

 

A concepção materialista da história – de acordo com a qual, e apenas de acordo com a qual, é possível o conhecimento científico do desenvolvimento das sociedades humanas – encontra sua categoria científica central no modo de produção. Engels nos diz que esta concepção

“parte da tese de que a produção, e junto com ela também a troca dos seus produtos, é o fundamento de toda a ordem social; de que, na sociedade historicamente atuante, a distribuição dos produtos, e junto com ela, a subdivisão em classes ou estamentos, orienta-se por aquilo que é produzido, pelo modo como é produzido e pela maneira como o produto é trocado. De acordo com isso, as causas últimas de todas as mudanças sociais e revoluções políticas não devem ser buscadas na mente dos seres humanos, em sua noção crescente da verdade e da justiça eternas, mas nas mudanças que ocorrem no modo de produção e de troca”.[1]

A produção do conjunto de bens materiais necessários – pouco importando se se tratam de necessidades “do estômago ou da imaginação”[2] – à existência material de uma forma social determinada é o “fundamento” ou “base”desta mesma forma social. Ora, esta mesma produção é uma atividade social, em que os produtores entram em determinadas relações. A categoria de modo de produção tem como objetivo explicar as formas específicas de organização da atividade produtiva, formas que têm o papel principal no desenvolvimento de toda formação social. É o modo de produção que determina como a produção material de uma determinada sociedade é organizada. Como Marx afirma em um célebre texto em que apresenta uma formulação sintética do materialismo histórico

“na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superstrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual”[3].

O modo de produção é o que determina em última instância o “processo da vida social”. Com efeito, Marx e Engels atribuem à economia a função de ser o “elemento determinante final”, ao que Engels acrescenta que ela não é o único elemento determinante. A tese da determinação em última instância pela economia afirma, na verdade, que esta determinação se exerce 1. no estabelecimento das condições para a constituição de formas superestruturais (jurídicas/políticas, ideológicas) específicas e, sobretudo, 2. na determinação das tendências reais para o desenvolvimento material das formações sociais (e, portanto, das leis deste mesmo desenvolvimento). Isso não exclui que as outras instâncias, a jurídica/política e a ideológica, da “vida social” possam, em determinadas circunstâncias, ter uma função dominante, mas impõe que esta função seja determinada justamente pela estrutura do modo de produção que condiciona o processo social[4]. Veremos, adiante, como a estrutura de um determinado modo de produção pode fazer com que as instâncias jurídica/política ou ideológica assumam uma função dominante[5].

Marx afirma que o modo de produção é “a totalidade das relações de produção”, mas que, por sua vez, estas relações de produção “correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das forças produtivas materiais”. Podemos afirmar, portanto, que o modo de produção é a unidade entre a totalidade das relações de produção e um nível determinado das forças produtivas[6].

No processo de produção material de uma sociedade, os produtores realizam uma série de operações sobre determinados materiais – os objetos de trabalho – e os transformam em produtos que são os bens materiais de que têm necessidade. Estas operações de transformação – o processo de trabalho – dependem principalmente de determinados instrumentos de trabalho sem os quais os produtos não poderiam ser obtidos. O materialismo histórico chama de meios de produção o conjunto dos objetos de trabalho e dos instrumentos de trabalho que são a condição objetiva de todos os processos de trabalho. Além disso, é preciso que os produtores, para operar o processo de trabalho, detenham um determinado nível técnico, por mais simples que seja, para realizar estas transformações e que sejam dispostos de maneira a realiza-las. Considerados apenas nestes aspectos, os produtores são uma força de trabalho. Marx e Engels usam a categoria de forças produtivas para se referir à unidade dos meios de produção e da força de trabalho, cujo nível é determinado pela produtividade do trabalho social[7]. É importante notar, no entanto, que na categoria de forças produtivas, os meios de produção são o fator principal. Com efeito, os meios de produção são as condições materiais sem as quais a atividade de produção social não é possível. Eles são o elemento essencial ao qual as técnicas da força de trabalho devem se adequar e constituem o fundamento de toda produção material.

A este nível, nos diz Marx, corresponde um determinado conjunto de relações de produção. Uma série de interpretações parciais do sentido desta “correspondência” pôde atribuir ao materialismo histórico um esquema economicista, segundo o qual é o nível das forças produtivas que determinao modo de produção e, portanto, todo o processo de desenvolvimento de uma formação social. O economicismo é consiste precisamente na tese que afirma que o nível de desenvolvimento das forças produtivas é o fator principal na estruturação de uma formação social. Assim, as relações de produção seriam reduzidas a relações técnicas, e todas as formas históricas de organização da produção social decorreriam do nível das forças produtivas. Esta forma de “evolucionismo técnico” é, desde o século XVIII, uma das principais expressões da filosofia burguesa da história como “progresso” linear. Ela conduz a uma posição em que a luta política é reduzida a uma luta pelo “progresso”, ou seja, pelo desenvolvimento das forças produtivas como um objetivo estratégico, e, portanto, a ser uma luta contra o “atraso”, ou seja, contra as formas sociais que impedem o desenvolvimento das forças produtivas. Veremos, na terceira parte de nosso estudo, como esta tese pôde levar a uma série de desvios na formulação da linha política do movimento comunista brasileiro.

A tese economicista, ao menos aparentemente, chegou mesmo a ser afirmada pelo próprio Marx em alguns de seus primeiros trabalhos[8]. No entanto, assumir estas teses economicistas como a afirmação final de Marx é mutilar sua obra teórica e ignorar praticamente toda a produção teórica da maturidade de Marx desde O capital. Ao longo de todo o texto de O capital, Marx demonstra exaustivamente[9]como a unidade entre as forças produtivas e as relações de produção é uma unidade dialética: por um lado, o nível de desenvolvimento das forças produtivas estabelece as condições objetivas e os limites para o estabelecimento de determinadas relações de produção; por outro lado, as forças produtivas só operam através das relações de produção, de tal modo que as relações de produção podem bloquear ou impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas. Mais do que isso, Marx afirma uma tese que será a de todo o marxismo revolucionário posterior: a de que na unidade das forças produtivas e das relações de produção (= modo de produção), o papel principal cabe às relações de produção em todas as fases do processo em que o desenvolvimento das forças produtivas atingiu seu limite no interior de uma estrutura econômica[10].

Vimos que Marx afirma que “na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade” e que estas relações estão essencialmente ligadas às forças produtivas. Vimos também que os meios de produção são as condições materiais para a realização do processo de produção social, constituindo o fator principal na composição das forças produtivas. Assim, a categoriadas relações de produção não explicasimplesmente as relações sociais, mas as relações sociais nas quais os homens entram no interior do processo de produção material, processo que tem como condição material os meios de produção.O que o materialismo histórico afirma não é apenas a tese “sociológica” de que a “essência humana” é constituída “pelo conjunto das relações sociais” – postulada na juventude de Marx com as Teses sobre Feuerbachde 1845[11] – mas que no “conjunto das relações sociais” as relações entre os homens no interior processo de produção material são determinantes em última instância. As relações de produção são, portanto, as relações em que os indivíduos entram no ato do processo de produção e que são, necessariamente, mediadas pelos meios de produção.

Estas relações são, incialmente, relações entre os produtores diretos, no caso de formas de produção social em que todos os indivíduos participam em conjunto da atividade produtiva; mas elas são, sobretudo, relações entre os produtores diretos e aqueles que detém o controle dos meios de produção, no caso de formas de produção social em que os meios de produção são apropriados por uma parte da sociedade que não se confunde com o conjunto dos produtores. Como vimos, para o materialismo histórico a “totalidade destas relações de produção forma a estrutura económica da sociedade”, a sua “base real”. Portanto, os modos de produção, que constituem a “estrutura econômica da sociedade”, a sua “base real”, se definem pela totalidade das relações de produção, pelas relações entre os produtores e os proprietários dos meios de produção. Mas, e isto é crucial para a análise teórica, é preciso reter a rigorosa terminologia de Marx: ele não se refere a um “conjunto” de relações como de produção, uma soma de relações mais ou menos diversas[12], mas à “totalidade” (Gesamtheit), termo que no alemão remete a um todo em que todas as partes estão integradas, e à “estrutura” (Struktur), uma organização em que todos os elementos estão conectados uns aos outros e adquirem suas funções específicas apenas com esta conexão. Isto quer dizer que as relações de produção que definem um modo de produção formam uma ordem coesa, em que todas as relações de produção estão ligadas de maneira recíproca: a relação do produtor aos meios de produção é correlata à relação do proprietário aos meios de produção. Por conseguinte, se um produtor se relaciona de duas maneiras diferentes aos meios de produção e, portanto, a seu proprietário, tratam-se de relações de produção distintas, definindo estruturas econômicas distintas, ainda que sejam portadas pelos mesmos indivíduos.

Este apontamento teórico deve ser feito, em especial, por que ele esclarece a natureza de um desvio teórico tão importante – ou talvez mais, dado seu alcance – quanto o economicismo: o historicismo. O historicismo é uma das formações ideológicas burguesas surgidas no fim do século XIX, herdeiro do empirismo do século XVIII e de certos aspectos da filosofia de Hegel, e pôde se apresentar, como veremos, sob uma aparência “marxista”. Segundo as teses historicistas, tudo o que existe é “histórico”, ou seja, é relativo a um determinado momento histórico, e só pode ser verdadeiro quando situado em um período histórico determinado. Segue destas teses que todo o conhecimento é histórico, relativo a um período histórico e às circunstâncias históricas em que surgiu[13], e que, portanto, não podem existir afirmações universalmente verdadeiras. Na medida em que todo conhecimento pode ser reduzido a sua origem histórica e ter seu valor apenas nas circunstâncias temporais em que surgiu, não é possível uma compreensão científica do processo da produção social. A ideologia historicista se opõe diretamente ao método científico de Marx. Com efeito, Marx afirma que, na análise científica dos fenômenos sociais, a “força da abstração”[14] deve substituir os instrumentos de análise utilizados pelas ciências da natureza. O método correto na ciência social deve, através da abstração, distinguir os elementos mais simples de uma determinada formação social para, a partir deles, buscar reproduzir no pensamento a realidade concreta. O conhecimento claro e rigoroso das formas sociais, pelo qual podemos compreender corretamente a ordem e a conexão entre os fenômenos, é o resultado da reprodução ordenada e metódica da realidade empírica no pensamento[15].

Marx e Engels afirmam que a produção é o “fundamento” da ordem social e que o modo de produção é a “base” que “condiciona” o processo da vida social. Portanto, o modo de produção não é idêntico ao processo social, assim como a condição não é idêntica ao condicionado e o fundamento não é idêntico ao fundado. Ou seja: a estrutura econômica que funciona como a base real de uma formação social não é idêntica a esta mesma formação social, e estas duas categorias não podem ser confundidas. A estrutura econômica só pode ser compreendida de maneira adequada por uma operação teórica complexa, que procede pela “força da abstração” e pelo desenvolvimento lógico (dialético) dos conceitos abstraídos. O historicismo, como todo empirismo, afirma que o conhecimento possível de um determinado objeto é apenas um conhecimento descritivo. Assim, ao descrever as características de uma determinada formação social, o historicismo afirma conhece-la. No entanto, ele deve necessariamente ignorar a sua estrutura econômica e, portanto, suas leis de desenvolvimento, chegando apenas a um conhecimento confuso das determinações empíricas. Ao assumir uma aparência “marxista’, o historicismo confunde a categoria de modo de produção e as determinações empíricas de uma sociedade, o universal e o particular. Por um lado, o historicismo chega a multiplicar de maneira desconexa os modos de produção: para cada sociedade particular que parece não “corresponder” às suas definições de um modo de produção, são afirmados novos modos de produção (chegamos assim ao “modo de produção mercantil simples”, à recuperação da hipótese, abandonada por Marx, de um “modo de produção asiático”, ao “modo de produção por linhagens”, ao “modo de produção escravista colonial”, ao “modo de produção semifeudal”, etc.). Por outro, o historicismo não compreende o modo de articulação de estruturas econômicas distintas em uma mesma sociedade, nos apresentando uma verdadeira confusão em sua análise (ele identifica e confunde, por exemplo, relações de produção escravistas e relações de produção servis, mesmo que desempenhadas em processos de trabalho diferentes, e nos apresenta esta identificação como a descrição de um modo de produção específico).

Como afirma Marx em O capital

“Em todos os casos é na relação direta entre os proprietários das condições de produção e os produtores diretos – relação cuja forma eventual sempre corresponde naturalmente a determinada fase do desenvolvimento dos métodos de trabalho e, assim, a sua força produtiva social – que encontramos o segredo mais profundo, a base oculta de todo o arcabouço social e, consequentemente, também das formas políticas das relações de soberania e de dependência, isto é, da forma específica do Estado existente em cada caso. Isso não impossibilita que a mesma base econômica – a mesma no que diz respeito às condições principais –, graças a inúmeras circunstâncias empíricas de diversos tipos, condições naturais, raciais, influências históricas externas, etc., manifeste-se em infinitas variações e matizes, que só se podem compreender por meio de uma análise dessas circunstâncias empíricas”[16].

O modo de produção é uma categoria de maior grau de abstração que define a estrutura das “variações” empíricas das sociedades. É por isso que o modo de produção não pode ser confundido com a categoria de formação social, que explica exatamente as sociedades “concretas”, historicamente existentes. Por um lado, as formações sociais encontram sua base na estrutura econômica que é o modo de produção, mas integram também uma determinada superestrutura jurídica/política e ideológica além das “inúmeras circunstâncias empíricas” que a particularizam. Mas, além disso, as formações sociais articulam diversos modos de produção, um deles sendo, necessariamente, o modo de produção dominante.

O materialismo histórico afirma que há uma sequência temporal de modos de produção. Na medida em que as estruturas econômicas correspondem a um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas, elas são constituídas por um processo. A dinâmica do desenvolvimento das forças produtivas gera, por um lado, as condições materiais para o surgimento de uma determinada estrutura ao mesmo tempo em que, por outro, gera as tendências econômicas que levam à desagregação de outra. É este processo de desenvolvimento lógico (dialético) que nos permite que compreender que a dinâmica dos modos de produção, “na intelecção positiva do existente, inclui ao mesmo tempo a intelecção da sua negação de seu necessário perecimento”[17]. A especificação dos modos de produção não é, portanto, uma “classificação” de uma diversidade de estruturas existentes, mas um desenvolvimento teórico no qual os modos de produção são ordenados de modo sequencial. Assim, no famoso prefácio à Para a crítica da economia política Marx afirma que, “em linhas gerais”, o processo de desenvolvimento histórico das formações sociais apresenta as estruturas econômicas “asiática”, “antiga”, feudal e capitalista – antecedidas pela estrutura comunista primitiva, já indicada por Marx desde A ideologia alemã. Veremos adiante como e porque Marx abandona a hipótese de um “modo de produção asiático”. Já a partir de O capital Marx faz referência a quatro – e apenas quatro – grandes estruturas econômicas formadas no processo do desenvolvimento histórico até seu momento[18], referências que o materialismo histórico esquematiza na sequência dos modos de produção comunista primitivo, escravista, feudal e capitalista[19].

As formações sociais articulam estes diversos modos de produção em seu processo histórico, pelo menos dois deles. E isto porque, sendo uma realidade processual, as formações sociais articulam sempre suas fases passadas, suas fases atuais e suas fases futuras. Em uma formação social os modos de produção dominados são ou fases passadas da produção social que permanecem e estão em vias de desestruturação (ainda que esta desestruturação possa ser operada em ritmos extremamente lentos ou acelerados) ou os elementos embrionários, ou seja, em formação, de um modo de produção futuro que o modo de produção atualmente dominante busca bloquear ou controlar[20].  Quanto ao modo de produção dominante em uma formação social, Marx descreveu brevemente sua função nos Grundrisse:

“Em todas as formas de sociedade, é uma determinada produção e suas correspondentes relações que estabelecem a posição e a influência das demais produções e suas respectivas relações. É uma iluminação universal em que todas as demais cores estão imersas e que as modifica em sua particularidade. É um éter particular que determina o peso específico de toda existência que nele se manifesta”.[21]

O modo de produção dominante determina a função e a importância dos modos de produção dominados no interior de uma formação social, modificando sua forma de apresentação particular em razão de sua própria dominação. A dominação de um modo de produção em uma formação social pode ser definida como a subordinação dos demais modos de produção às exigências da reprodução da estrutura econômica dominante, transferindo para ela o excedente produzido pelas estruturas dominadas[22] (o que tem como condição a dominação política e ideológica das classes dominantes no modo de produção dominante). Ela não deve ser confundida com a predominância quantitativa de um modo de produção em uma formação social. Pode ocorrer, como veremos, que a maior parte dos processos de trabalho em uma formação social sejam produzidos na forma de um modo de produção dominado, o modo de produção dominante correspondendo apenas a uma parte limitada dos processos de trabalho de uma formação social. Esta situação não impede de modo algum a dominação deste modo de produção, uma vez que esta é definida por seu papel na articulação dos demais modos de produção a suas leis fundamentais de funcionamento e não por sua extensão nos processos de trabalho. Assim, nos parece que na caracterização de uma formação social determinada os critérios básicos devem ser 1. a referência ao modo de produção dominante, 2. a referência ao que chamaremos de modos de produção principais, aqueles segundo os quais são exercidos a maior parte dos processos de trabalho.

Vemos, assim, como a partir articulação de certos modos de produção fundamentais, da constituição das diferentes formas de superestruturas jurídico/políticas e ideológicas sob estas bases e da convergência de “inúmeras circunstâncias empíricas” (condições geográficas, étnicas, influências históricas de outras formações sociais, etc.) deve surgir uma imensa variedade de formações sociais. Aqui, como em todos os outros domínios da matéria, um número restrito de estruturas básicas correspondem a uma imensa variação empírica. Muitas formações sociais, e especialmente aquela que é nosso objeto teórico particular neste estudo, podem chegar a um grande grau de complexidade e heterogeneidade. Analisando a formação social peruana do início do século XX, José Carlos Mariátegui aponta para a coexistência de três estruturas econômicas distintas: o comunismo primitivo, o feudalismo e o capitalismo[23]. Do mesmo modo, naquele que é o principal trabalho teórico sobre a formação social brasileira, Formação histórica do Brasil, Nelson Werneck Sodré afirma que

“O estudo do processo histórico da sociedade brasileira (...) mostra não só a vigência até aqui, da descoberta aos nossos dias, de cada uma daquelas formas, de cada um daqueles regimes de produção [os diversos modos de produção históricos] (...) sucessivamente, como a sua coexistência ao longo do tempo e ainda hoje – é a contemporaneidade do não coetâneo, um dos traços específicos do caso brasileiro, mas não privativo deste caso”.[24]

Esta situação, para a qual Sodré mais tarde elabora a categoria de heterocronia história, é a situação de uma verdadeira pluralidade temporal, em que diversas estruturas econômicas, desenvolvidas em fases diferentes do processo de produção social, coexistem e se articulam em uma formação social, em uma forma ainda mais complexa da articulação de diferentes modos de produção. Em certas formações sociais o passado persiste em não passar, mesmo que em um ritmo infinitamente lento, pois está articulado com a dominação do presente, em uma espantosa conexão das formas de exploração arcaicas e modernas.

 

Exemplo I

Pensamos que esta sistematização pode apresentar hipóteses de trabalho que superem uma série de limites teóricos da antropologia marxista no que diz respeito à análise das formações sociais da América pré-colombiana. Usualmente, estas formações sociais eram identificadas diretamente com o modo de produção comunista primitivo – com a exceção das grandes formações sociais do altiplano da Mesoamérica e andinas, associadas com o “modo de produção asiático”. Esta hipótese, no entanto, impedia a compreensão de uma série de aspectos importantesnestas formações sociais.

O modo de produção comunista primitivo se define pela apropriação comum dos meios de produção pelo conjunto os produtores, o que implica a cooperação simples como modo de organização dos processos de trabalho e uma distribuição igualitária dos produtos[25]. A sua forma típica é dada já com a organização da produção socialque marca o período neolítico. Nelas baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas impõe a necessidade inicial de uma organização comunitária da produção e do trabalho cooperativo, tanto na agricultura (abertura de áreas para cultivo, plantio, colheita) – e é importante lembrar que nesta fase do processo de produção social a terra é o principal meio de produção – quanto na elaboração dos instrumentos de trabalho[26]. A terra é cultivada pela comunidade, que assume também a função de distribuir de maneira equitativa o produto social. A produção artesanal é também organizada pela unidade comunitária, com os produtores se auxiliando mutuamente no processo produtivo.Sobre a base deste modo de produção se constitui o que Engels chamou de organização gentílica da sociedade[27], um conjunto de formas institucionais pelas quais a formação social exerce a regulação de seus usos e costumes mas que está em oposição direta às formas de poder estatais.

De acordo com o materialismo histórico, este modo de produção é sucedido pelo modo de produção escravista. Com o aumento do produto social excedente surgem as condições para a decomposição do modo de produção anterior, inicialmente pela apropriação privada de partes do produto social artesanal e, com isso, de instrumentos de trabalho. Do mesmo modo, a partir da lenta decomposição da apropriação comum da terra, esta passa a ser objeto de uma apropriação privada por unidades domésticas já “privatizadas”. Estas unidades familiares operam simultaneamente como unidades de produção e de reprodução familiares e são colocadas tendencialmente sob o controle dos proprietários de terras (como indica Engels, geralmente do sexo masculino). Com o desenvolvimento da unidade de produção doméstica, estes proprietários desenvolvem também a relação de produção que marca a estruturação de uma nova base econômica, condicionada pela necessidade de ampliar a força de trabalho familiar: a escravidão. Esta se define pela apropriação direta da força de trabalho como um instrumento de trabalho pelo proprietário. O escravo “opera com condições de produção alheias”[28], mas é ele também apropriado como um meio de produção pelo senhor de escravos. Daí o caráter marcadamente “patriarcal” das fases iniciais do escravismo. Engels nos lembra que “Famulus designa o escravo doméstico e familia é o conjunto de escravos que pertencem a um homem. (...) A expressão foi inventada para designar um novo organismo social, cujo chefe submetia a mulher, filhos e filhas e um certo número de escravos ao seu poder paterno”[29]. Se esta forma inicialmente se restringe aos limites da unidade doméstica privada, ela, no entanto, tende a ocupar uma esfera cada vez maior nos processos de trabalho, com os escravos realizando não apenas trabalho forçado na esfera doméstica, mas podendo ser organizados para processos de trabalho de escala maior conforme este modo de produção se desenvolve. Como resultado das contradições sociais implicadas pelo modo de produção escravista, se impôs às classes dominantes a necessidade da constituição de um aparelho de repressão distinto do conjunto da sociedade, capaz de garantir seus interesses e de executar as funções de governo de acordo com seus interesses de classe, necessidade que leva à constituição do Estado[30].

Ora, as formações sociais ameríndias das terras baixas da América do Sul dificilmente podem ser identificadas de maneira simples a qualquer uma destas formas básicas. É verdade que seus aspectos dominantes se aproximam do modo de produção comunista primitivo. No entanto, elas já apresentam uma série de transformações que dificilmente permite que sejam identificadas a uma forma simples deste modo de produção. Por outro lado, é evidente que se elas apresentam certos aspectos próximos do modo de produção escravista, estes aspectos permanecem marginais e desestruturados na maior parte dos casos. Se a maior partedas formações sociais ameríndias do futuro território da América portuguesa desconhecem a escravidão, algumas delas desenvolviam suas formas primárias, como as formações sociais das nações Tupinambá, Kadiwéu e Terena. Quanto às formas de propriedade, elas são evidentemente heterogêneas. Enquanto a terra é mantida nas formas da propriedade comum, garantindo um nível bastante elevado de igualdade na distribuição dos produtos sociais, instrumentos de trabalho móveis são propriedade individual. Há uma evidente divisão sexual do trabalho, com as mulheres sendo deslocas em muitas formações sociais (mas não em todas) para a função de “meios de reprodução” e compondo uma família ampliada sob poder de um chefe[31]. A presença destas mesmas características em diversas formações sociais – e não apenas na América – levou certos antropólogos a afirmar a hipótese de um “modo de produção por linhagens”[32]. No entanto, esta hipótese nos parece inadequada, em especial porque ignora a presença de relações de produção contrárias no interior destas mesmas formações sociais[33]. Pensamos que a colocação do problema nos termos da articulação de diferentes modos de produção no interior de uma mesma formação social pode esclarecer o problema.

Propomos a caracterização, em linhas gerais, das formações sociais ameríndias das terras baixas como formações sociais comunais, em que o modo de produção comunista é o dominante e também o principal na organização dos processos de trabalho, mas nas quais o desenvolvimento das forças produtivas opera transformações cada vez maiores, tornando possível a apropriação individual dos instrumentos de trabalho de forma marginal, o surgimento das primeiras formas de organização doméstica privada e até, no limite, o surgimento de tipos primários de escravidão. Estas formações sociais supõem já um desenvolvimento das forças produtivas bastante elevado em relação às fases iniciais de organização da produção social na forma do modo de produção comunista primitivo. Marx as descreveu como a fase mais recente das formações sociais dominadas pelo modo de produção comunista primitivo, uma fase de transição entre este modo de produção e os modos de produção posteriores e que, talvez, marcam o limite máximo a que pode chegar o nível de desenvolvimento das forças produtivas sob esta estrutura.

Em relação a isto, a etnologia já demonstrou aquilo que Marx afirmava ser a grande vitalidade destas formações sociais “arcaicas”, vitalidade superior àquela das formações sociais dominadas pelos modos de produção pré-capitalistas em que já opera a divisão de classes e também superior à própria vitalidade das sociedades modernas[34]. O economicismo afirma que as formações sociais comunais existem em função de um “atraso” no desenvolvimento das forças produtivas, “atraso” que demonstraria o déficit de sua atividade social. Esta tese possui um aspecto correto, na medida em que associa a condição destas formações sociais a um nível relativamente baixo de desenvolvimento das forças produtivas. No entanto, ela ignora o fundamental: o papel das relações de produção nestas formações sociais. A antropologia política já demonstrou – ainda que possa tê-lo feito de uma perspectiva teórica geral equivocada – a intensa atividade destas formações sociais no bloqueio ativo do desenvolvimento das forças produtivas e das tendências estruturais que poderiam leva-las à decomposição. Elas limitam ativamente o desenvolvimento de formas de poder estatal pelo controle direto dos chefes, instituem uma série de práticas ideológicas para demarcar a subordinação direta do indivíduo ao todo da comunidade, reduzem o tempo dedicado às atividades produtivas que poderiam acumular um excedente a ser reinvestido para a ampliação dos meios de produção ou o dispendem ativamente de maneira a impedir sua acumulação, reduzem a circulação externa dos produtos sociais[35]. Este bloqueio tem, obviamente, efeitos contraditórios. Por um lado, ao impedir a ampliação da produtividade do trabalho, ele impede necessariamente a reprodução ampliada destas mesmas formações sociais assim como o enriquecimento das necessidades e da produção sociais. Por outro, este bloqueio impede a dissolução da apropriação comum dos meios de produção e, com eles, a dissolução de uma distribuição igualitária do produto social. Bloquear o desenvolvimento, mas na medida em que se bloqueia também o desenvolvimento da escravidão e da opressão estatal.

É verdade, no entanto, que este bloqueio não poderia deter o desenvolvimento de um novo modo de produção por um tempo indefinido, mas é muito provável que ele tenha um efeito tão ou mais importante sobre a desigualdade regional do ritmo de desenvolvimento das foças produtivas do que os fatores ecológicos ou geográficos em que as formações sociais se encontram. Assim, Marx poderá encontrar formações sociais comunais – ainda que profundamente transformadas pela coexistência com outros modos de produção mais desenvolvidos e em vias de decomposição – na Rússia do fim do século XIX. O desenvolvimento dos modos de produção é uma tendência objetiva, que impõe uma trajetória histórica às formações sociais, mas cujo ritmo de estruturação pode ser determinado em longa duração pela interação com as relações de produção – mas é importante apontar que a efetividade do bloqueio da transição de um modo de produção ao outro é muito mais intensa nos modos de produção pré-capitalistas do que neste, uma vez que, como Marx e Engels não cessam de demonstrar, o modo de produção impõe necessariamente uma intensificação do ritmo de desenvolvimento das forças produtivas nunca antes vista na história. Mas mesmo no caso dos modos de produção pré-capitalistas, a efetividade do bloqueio da transição do modo de produção comunista primitivo ao escravismo encontra limites objetivos, especialmente quanto ao crescimento demográfico das formações sociais e a ocupação do território[36]. Tudo indica que algumas das formações sociais comunais das terras baixas da América do Sul já estavam em vias de operar a transição quando da chegada dos europeus – transição que foi combatida internamente com um dos mais importantes fenômenos destas formações sociais, o profetismo tupi-guarani[37].

Sabemos, por outro lado, que o território andino deu lugar a formações sociais de outro tipo, já analisadas por Mariátegui. Ainda que alguns possam estranhar a caracterização que Mariátegui faz do Império Inca como uma formação social fortemente marcada pelo comunismo primitivo, a articulação dos modos de produção em uma formação social nos permite compreender que a posição de Mariátegui estava correta. Antes da organização do Império, todo o território andino era ocupado por formações sociais organizadas sob a base do modo de produção comunista primitivo. A expansão do império dos incas apenas organizou estas bases comunais sob o domínio do império e impuseram uma tributação a elas. Estas comunidades agrárias, os ayllu, sobreviveram ao longo do século XX e foram também detidamente analisadas por Mariátegui, inclusive nos termos de uma comparação direta com a comunidade agrária russa analisada por Marx[38].

 

O período histórico moderno gerou formações sociais ainda mais complexas. A modernidade se define pela estruturação e dominação do modo de produção capitalista. “Embora os primórdios da produção capitalista já se nos apresentassem esporadicamente, nos séculos XIV e XV, em algumas cidades do Mediterrâneo, a era capitalista só tem início no século XVI. Nos lugares onde ela surge, a supressão da servidão já está há muito consumada”[39]. O modo de produção capitalista surge na Europa a partir da decomposição do modo de produção feudal, com a ampliação das trocas e o declínio da servidão. No caso particular da Inglaterra do início do século XVI, modelo do desenvolvimento do modo de produção capitalista analisado por Marx, os proprietários fundiários tendem a expulsar cada vez mais os produtores camponeses das terras disponíveis com o objetivo de organizar a produção pecuária voltada para o abastecimento das manufaturas flamengas de lã, com este produto atingindo, então, um alto preço nos mercados. Esta alta dos preços da lã, por sua vez, é inseparável do desenvolvimento do comércio a longa distância intensificado desde o fim do século XIV e da consequente acumulação do capital comercial. Ora, esta expulsão dos camponeses de suas terras cria, por um lado, uma força de trabalho “livre”, isto é, despossuída, e por outro tende a concentrar cada vez mais os meios de produção sob apropriação privada.

“Num primeiro momento, dinheiro e mercadoria são tão pouco capital quanto meios de produção e subsistência. Eles precisam ser transformados em capital. Mas essas transformação só pode operar-se em determinadas circunstâncias, que contribuem para a mesma finalidade: é preciso que duas espécies bem diferentes de possuidores de mercadorias se defrontem e estabeleçam contato; de um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, que buscam valorizar a quantia de valor de que dispõem por meio da compra de força de trabalho alheia; de outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho e, por conseguinte, vendedores de trabalho. Trabalhadores livres no duplo sentido de que nem integram diretamente os meios de produção, como os escravos, os servos, etc., nem lhes pertencem meios de produção, como no caso, por exemplo, do camponês que trabalha por sua própria conta, etc., mas estão, antes, livres e desvinculados destes meios de produção. Com essa polarização do mercado estão dadas as condições fundamentais da produção capitalista. A relação capitalista pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições de trabalho. Tão logo a produção capitalista esteja de pé, ela não apenas conserva essa separação, mas a reproduz em escala cada vez maior.O processo que cria a relação capitalista não pode ser senão o processo de separação entre o trabalhador e a propriedade das condições de realização de seu trabalho, processo que, por um lado, transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores assalariados”.[40]

As relações de produção capitalista, portanto, se definem pela separação entre o produtor direto e os meios de produção, por um lado, e pela apropriação privada dos meios de produção sociais, por outro, relações que formam, como vimos, uma totalidade estruturada. É importante, portanto, não confundir a apropriação privada em geral com a apropriação capitalista: a primeira surge com o surgimento das primeiras sociedades de classes, a partir da estruturação do modo de produção escravista, e, na medida em que é a propriedade de instrumentos de trabalho de uso individual, não chega nunca a se estruturar como uma estrutura de base da produção social; a segunda, surgida apenas no período moderno, envolve necessariamente uma apropriação privada dos meios de produção sociais de tal maneira que implica a separação entre estes e os produtores diretos.

Mas o próprio modo de produção capitalista encontra sua principal pressuposição histórica em uma forma anterior de capital, o capital comercial, “a forma mais antiga de existência livre que o capital apresenta na história”[41]. O capital comercialnão é um modo de produção, certamente, mas uma forma de circulação de produtos que permanece indiferente às estruturas econômicas entre as quais realiza estas trocas. Esta forma de circulação é realizada através da compra e da venda destes produtos, o que atribui a eles a função própria de mercadorias. O capital comercial articula, através de distintas fases do processo histórico, redes de comércio de longa distância garantindo a seus operadores o monopólio de uma série de produtos em diversos mercados regionais. Sua acumulação, no entanto, permanece exterior à esfera da produção até o período moderno, dependendo, até então, do nível de produtividade dos modos de produção entre os quais ele circula as mercadorias. Esta acumulação, no entanto, independentemente de seu nível, não é suficiente para desarticular os modos de produção anteriores e estruturar o modo de produção capitalista. Por outro lado,

“não é nada difícil compreender por que o capital comercial aparece como forma histórica do capital, muito antes de o capital ter estabelecido seu próprio domínio sobre a produção. Sua existência e seu desenvolvimento até certo nível são inclusive o pressuposto histórico para o desenvolvimento do modo de produção capitalista, 1) como precondição da concentração da riqueza monetária e 2) porque o modo de produção capitalista tem como premissa a produção para o comércio, a venda por atacado, e não a um cliente individual, isto é, pressupõe um comerciante que não compra para satisfazer suas necessidades pessoais, mas que eu seu ato de compra concentra os atos de compra de muitos indivíduos. Por outro lado, o desenvolvimento inteiro do capital comercial é voltado a conferir à produção um caráter cada mais vez mais orientado para o valor de troca, para a progressiva conversão dos produtos em mercadorias”[42].

Com a estruturação do modo de produção capitalista, a circulação na forma do capital comercial se torna um momento subordinado do processo de produção. Mas até este ponto, o capital comercial se apresenta como uma das formas embrionárias do modo de produção capitalista. É correto afirmar, com isso, que a estruturação do capitalismo começa ali onde o capital comercial[43] se apodera do processo de produção, se apropria dos meios de produção. O processo de transição do feudalismo ao capitalismo e da estruturação do modo de produção capitalista, que ocorre no longo período dos séculos XVI-XVII, tem suas fases mais avançados na Inglaterra e na Holanda. Assim, a primeira forma de produção dominada diretamente pelo modo de produção capitalista, a manufatura, só se desenvolve ali onde o capital comercial, se apoderando da esfera da produção, encontra uma força de trabalho despossuída, capaz de vender sua força de trabalho. A produção manufatureira, por outro lado, impulsiona a ampliação do próprio comércio mundial, subordinando a si o processo de circulação. No entanto este processo encontra sua condição real em um processo complementar, que é ele mesmo um momento essencial do processo de organização da produção manufatureira, sem o qual o a acumulação de capitais e a ampliação do mercado mundial não seriam possíveis: o desenvolvimento do sistema colonial.

Ao longo dos séculos XVI e XVII, o capital comercial organiza o sistema colonial como o motor fundamental do processo de acumulação que torna possível o desenvolvimento do capital industrial na Europa. Neste sistema, o capital comercial subordina diretamente uma série de formações sociais e se apropria de seus produtos excedentes como mercadorias para a circulação no comércio de longa distância. E se o capital comercial pôde chegar a subordiná-las, exercendo efeitos diretos sobre a organização de sua produção social, é, sobretudo, porque já se articula com as formas iniciais do modo de produção capitalista em desenvolvimento na Europa[44]. Desta maneira, nas formações sociais submetidas ao sistema colonial, o capital comercial funciona como “a iluminação universal em que todas as demais cores estão imersas”, modificando-as em sua particularidade. Esta subordinação será responsável por uma série de efeitos que modificam estas formações sociais, fazendo delas um tipo completamente novo, já caracterizado, de maneira parcialmente correta, como o de “formações sociais não consolidadas”[45]. Não consolidadas, sobretudo, porque nelas a articulação dos modos de produção é submetida à dominação de uma forma externa, fazendo com que seus produtos sejam cada vez mais absorvidos pelo mercado mundial. A dominação de um modo de produção no interior destas formações sociais é – e só pode ser compreendida como sendo – subordinada a um modo de produção exterior.

As formações sociais com que o capital comercial se depara neste período são, por suposto, dominadas por modos de produção pré-capitalistas. O sistema colonial rapidamente submete estes modos de produção às necessidades da acumulação primitiva de capitais. Esta submissão é feita sobretudo pelo emprego da violência direta contra estas transformações sociais. Como escreve Marx,

“A descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento das populações nativas nas minas, o começo da conquista e o saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles negras caracterizam a aurora a era da produção capitalista. (...) Tais métodos, como, por exemplo, o sistema colonial, baseiam-se, em parte na violência mais brutal[46].

A subordinação de formações sociais ao sistema colonial tem uma série de efeitos sobre sua estruturação. Na medida em que seu processo de produção é subordinado à acumulação de capitais através de sua venda como mercadorias no mercado mundial, 1. os processos de trabalho têm seu ritmo intensificando, intensificando, portanto, a exploração dos produtores diretos na medida em que produzem sob um modo de produção pré-capitalista, somando o sobretrabalho para a produção de mercadorias às formas de exploração anteriores; 2. suas formas de produção podem, pela influência externa, absorver novos instrumentos de trabalho e técnicas, ao mesmo tempo em que mantêm o modo de produção prévio, gerando, dentro de certos limites, uma defasagem maior entre o nível de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção; 3. a sua reprodução é diretamente subordinada a leis de acumulação que lhe são exteriores, em especial a produção de mercadorias ao menor custo possível e com o menor investimento de capitais possível, fazendo com que estes modos de produção pré-capitalistas sejam reproduzidos ela própria dominação do capital comercial, bloqueando a maior parte de suas tendências internas ao desenvolvimento. Estas formações apresentam, assim, uma analogia profunda com uma das formas de transição ao feudalismo ao capitalismo já identificada por Marx em O capital:

“A transição do modo de produção feudal se efetua de duas maneiras. O produtor se torna mercador e capitalista, em contraposição à economia natural agrícola e ao artesanato – organizado em corporações – da indústria urbana medieval. Essa é a vida de fato revolucionária. Ou, então, o mercador se apodera diretamente da produção. Ainda que esta última via funcione historicamente como transição (...) ela não produz, por si mesma, a alteração radical do antigo modo de produção, mas, antes, o conserva e o mantém como seu pressuposto. (...) Esse sistema se apresenta em toda parte como um obstáculo ao modo de produção capitalista e desaparece com o desenvolvimento deste último. Sem revolucionar o modo de produção, ele só faz agravar a situação dos produtores diretos, convertendo-os em meros assalariados e proletários sob condições mais precárias que as dos diretamente subsumidos ao capital, e se apropria de seu trabalho sobre a base do antigo modo de produção”[47]

É preciso evitar, portanto, todas as teses “circulacionistas” (que são também teses empiristas e historicistas) segundo as quais estas formações sociais seriam já formações sociais “capitalistas” na medida em que estão integradas ao mercado mundial e têm seu excedente absorvido pela acumulação capitalista, fazendo da circulação a instância que as define. Certamente, sua subordinação ao capital comercial causa nelas a mudança de uma série de aspectos particulares. Mas, em primeiro lugar, esta subordinação é ela mesma subordinada ao desenvolvimento de um modo de produção externo. Em segundo, e mais importante, ela não transforma os modos de produção segundo os quais os processos de trabalho são organizados no interior desta formação social.  Para o materialismo histórico, a “verdadeira ciência da economia só nasce quando a consideração teórica passa do processo de circulação ao processo de produção”[48]. A verdadeira posição científica na análise do sistema colonial não consiste em abordá-lo através da instância da circulação, mas da articulação hierárquica entre dois processos de produção, o processo de produção capitalista nos centros e os processos de produção coloniais nas periferias. O capital comercial, como vimos, atua como intermediário entre um e outro, permanecendo indiferente aos processos de produção social situados nos pontos extremos das mercadorias que faz circular – e isso ainda que a situação, no caso específico dos séculos XVI e XII, se torna mais complexa, uma vez que o modo de produção dominante é um modo de produção em processo de estruturação.

Propomos, assim, caracterizar as formações sociais subordinadas ao sistema colonial como formações sociais coloniais. Estas se definem por dois traços essenciais: 1. o seu processo de produção social está diretamente subordinado a um modo de produção externo, que exerce, para todos os efeitos, a função de um modo de produção dominante, sem que isso exclua a “dominação subordinada” de um dos modos de produção no interior desta formação. Do ponto de vista jurídico/político, esta subordinação direta tem como implicação geral a dominação desta formação social por uma superestrutura jurídica/política exterior, a da metrópole; 2. o excedente de sua produção social é em sua maior parte (depois de consumido o necessário para a reprodução das condições de produção internas) absorvido por formações sociais externas. Com o avanço do processo histórico, em especial com o desenvolvimento do imperialismo e em consequência de sua exportação de capitais, estas formações sociais podem sofrer mudanças importantes, mas que não impedem sua subordinação ao sistema colonial, no caso da conquista de sua independência jurídica/política. Nestes casos, a parcela do excedente consumida internamente para a reprodução das condições de produção é comparativamente maior, o que não impede que ele seja principalmente absorvido por formações sociais externas. Neste caso, as chamaremos de formações sociais semicoloniais.

O fato de que estas formações tenham tido como base modos de produção pré-capitalistas não é uma casualidade histórica. Que a expansão do capital comercial tenha se deparado como modos de produção pré-capitalistas, é o próprio processo histórico que o explica. No entanto, é importante notar que, à diferença do que se passou no desenvolvimento capitalista nas formações sociais centrais, nas formações sociais coloniais os modos de produção não foram, por muito tempo, uma fase de transição. Pelo contrário: ali onde existiam, eles foram reorganizados e reproduzidos pela subordinação ao capital comercial. E mesmo ali onde não existiam modos de produção pré-capitalistas que pudessem produzir o excedente necessário para a comercialização – caso da América portuguesa –foi necessário que o sistema colonial organizasse a produção nas bases de modos de produção pré-capitalistas.

As razões para isso são estruturais. Se o capital comercial em sua apresentação pré-capitalista era, como afirmamos, sempre indiferente aos modos de produção entre os quais intermediava a circulação, o capital comercial na medida em que se encontra articulado ao desenvolvimento do modo de produção capitalista se coloca, em muitos casos, a tarefa deorganizar a produção de mercadorias. Ao encontrar formações sociais já estruturadas dominadas por modos de produção pré-capitalistas, o capital comercial moderno inicialmente se contenta em extrair seu excedente por uma relação comercial direta com as classes dominantes. Mas, como mostra mais do que suficientemente a colonização da América Latina, ao longo de toda empresa colonial o capital comercial organizou um novo regime de produção seja sob a base dos regimes antigos, seja implantando diretamente uma produção pré-capitalista com o objetivo de fornecer mercadorias. E ele o fez porque a organização de uma produção de mercadorias com base no modo de produção capitalista nas formações sociais coloniais era completamente inviável. Por um lado, a força de trabalho “livre” para a empresa colonial era extremamente escassa no período dos séculos XVI-XVII. Além disso, as condições trabalho e a ausência de condições para a reprodução dos produtores só poderiam ser superados com um alto nível de remuneração do trabalho caso uma força de trabalho “livre” estivesse disponível, o que, no entanto, não era viável uma vez que elevaria os custos de produção destas mercadorias, o que, somado ao alto custo da própria operação de distribuição das mercadorias impossibilitaria toda a empresa colonial[49]. Por outro, a disponibilidade de meios de produção na forma de terras livres para a apropriação tornava inviável a consolidação de relações de produção capitalistas e a reprodução de uma força de trabalho “livre”[50].

As formações sociais coloniais, portanto, surgem marcadas não apenas por sua subordinação a um modo de produção exterior, mas por terem tido historicamente suas bases produtivas organizadas na forma dos modos de produção pré-capitalistas. Esta complexa articulação entre uma produção voltada para um mercado consumidor externo e formas não-capitalistas de exploração do trabalho gera formações sociais com aspectos completamente novos. Os modos de produção pré-capitalistas são recompostos em um grau de exploração ainda mais intenso do que em suas versões históricas típicas e com uma série de mudanças particulares que decorrem de sua subordinação à acumulação capitalista. Esta situação resultará, ainda, em um outro tipo de formação social que deveremos analisar.

 

Exemplo II

A análise do materialista modo de produção escravista talvez seja uma das mais ignoradas, tanto em seu desenvolvimento típico quanto em seu desenvolvimento no interior das formações sociais coloniais.

As leituras empiristasde aparência “marxista” usualmente afirmam a distinção entre “sociedades com escravos”, aquelas nas quais está presente de maneira marginal a escravidão da força de trabalho, e “sociedades escravistas”, aquelas nas quais a escravidão tem o papel principal, ou quantitativamente maior, na organização dos processos de trabalho. Daí, ela conclui que omodo de produção escravistaé uma exceção no processo de desenvolvimento histórico, tendo se desenvolvido especialmente nas formações sociais grega e romana antigas, a maior parte das sociedades antigas tendo sido apenas “sociedades com escravos”. Ora, esta é, obviamente, uma confusão sobre as categorias de modo de produção e formação social.

É importante reter a definição que o materialismo histórico nos dá da escravidão: a apropriação direta da força de trabalho como um instrumento de produção por um proprietário. Esta definição envolve não apenas as formas da escravidão na qual o produtor direto é tomado como um “bem” permanente de seu proprietário, mas também as formas temporárias de escravidão, especialmente a escravidão por dívida, tão comuns na antiguidade e nas quais o produtor direto era cedido como propriedade a um senhor por um período de tempo determinado. Estas formas de escravidão temporária são de difícil contabilização e registro, e provavelmente elevam a presença geral da escravidão nas formações sociais antigas.É também importante lembrar que as formações sociais antigas nas quais a escravidão permanenteera a forma principal de organização dos processos de trabalho de modo algum se restringem apenas à Grécia e Roma clássicas. Elas incluem, pelo menos, a antiga Fenícia dos séculos IX-IV a.C., o império coreano do Silla no século VII, a baixa Mesopotâmia no século IX, os impérios de Songhai e Iorubás no século XV, para reter apenas aquelas sobre as quais temos dados disponíveis[51].

Isto posto, é um fato que na maior parte das formações sociais antigas a escravidão permaneceu relativamente restrita como forma de organização dos processos de trabalho. O erro do empirismo é se orientar por este critério quantitativo para afirmar que o modo de produção escravista é uma exceção isolada no desenvolvimento histórico da produção social. Sabemos que as relações de produção escravistas foram extremamente difundidas nas diversas formações sociais antigas, desde que superaram as etapas finais do modo de produção comunista primitivo. As encontramos em todos os continentes e em todas as latitudes[52]. A sua restrição no interior das formações sociais se deve a suas leis próprias de reprodução da força de trabalho. Com efeito, as formações sociais dominadas pelo modo de produção escravista se acham em uma luta de classes que envolve não apenas aquela entre senhores e escravos, mas, sobretudo, aquela entre senhores de escravos e as comunidades camponesas, uma vez que articulam o modo de produção escravista dominante e o modo de produção comunista primitivo em decomposição

A escravidão, como vimos, é inicialmente marcada por um caráter doméstico e patriarcal. A acumulação escravista, para buscar uma fonte estável de força de trabalho, tende inicialmente a se voltar para o interior da formação social que domina, buscando instituir mecanismos de escravização de sua população interna. Ora, estes mecanismos são profundamente frágeis, e as comunidades rurais muito dificilmente toleram o desenvolvimento da escravidão interna. A ampliação das formas de escravização da população interna tende, necessariamente, ao desenvolvimento da resistência das comunidades camponesas, chegando ao limite da desestabilização do Estado escravista e patriarcal. Como aponta Aristóteles na Constituição de Atenas, é de uma desestabilização e em resposta a mobilizações populares deste tipo que surge a primeira forma de democracia[53]. É por isso que as formações sociais em que o escravismo se torna o modo de produção principal são, sobretudo, aquelas quese encontram em condições de centralizar e absorver a força de trabalho escravizada de formações sociais que já conhecem o escravismo, o que supõe tanto o desenvolvimento do comercio à longa distância quanto uma força militar de expansão organizada. É por isso que nas formações sociais antigas que em que o escravismo é o modo de produção principal a figura do escravo, via de regra, é também a do estrangeiro. A maior parte das formações sociais dominadas pelo modo de produção escravista teve, por estas razões, que se deter por muito tempo em uma articulação entre as formas avançadas da comunidade agrária e a dominação por formas patriarcais e iniciais da escravidão, empregada diretamente apenas em uma esfera restrita das atividades produtivas, para, a partir daí, transitar para o desenvolvimento de um novo modo de produção. A dominação do modo de produção escravista pode, então, ser testemunhada através das próprias mudanças sofridas pela comunidade primitiva – especialmente nas formasda proliferação das parcelas de terra privadas associadas às unidades domésticas, da presença da força de trabalho escrava e da subordinação das mulheres.

Com a desagregação das formações sociais escravistas nas regiões do mediterrâneo e da Europa até o século V, a escravidão se torna uma forma marginal de exploração da força de trabalho ao longo de todo o período medieval. É então que a escravidão é “redescoberta” pela burguesia comercial genovesa no início do século XIV, que organizava o cultivo de cana-de-açúcar no Chipre. Com efeito, foi ali que pela primeira vez grupos de grandes comerciantes adquiriram grandes extensões de terras, como pagamento pelo transporte de bens e tropas ao longo das cruzadas, e buscaram organizar a produção de gêneros que então atingiam altos preços no mercado europeu. Com a praticamente total ausência de uma força de trabalho “livre”, por um lado, e com grande parte da população camponesa atada às terras pela servidão, a burguesia comercial genovesa encontrou a saída para a empresa açucareira no grande fluxo de eslavos escravizados nas guerras do leste europeu. Foi este o primeiro experimento da organização da monocultura açucareira para exportação[54].

Desde o início da empresa colonial já era de conhecimento comum – conhecimento adquirido especialmente com a decomposição do escravismo em grande escala na Europa – que o trabalho escravo apresentava baixa produtividade, baixa capacidade de inovações técnicas e dependia essencialmente de uma força de trabalho com grande potencial de resistência. Mas, como aponta Eric Williams, sabe-se também que em determinadas circunstâncias a escravidão apresenta vantagens econômicas evidentes aos proprietários dos meios de produção.

 

“Em culturas como a cana-de-açúcar, o algodão e o tabaco, cujo custo de produção se reduz consideravelmente em unidades maiores, o dono de escravos, com a produção em grande escala e turmas de trabalho organizadas, consegue ter um uso mais rentável da terra do que o camponês proprietário ou o pequeno agricultor. Para esses produtos agrícolas, os grandes lucros podem compensar os custos mais altos da mão de obra escrava ineficiente. Onde o máximo que se exige em termos de conhecimento é simples e rotineiro, é essencial que a mão de obra trabalhe de maneira constante e coordenada – a escravidão – até que, com o crescimento vegetativo e a importação de novos engajados, a população alcance seu ponto de densidade e a terra disponível já tenha sido distribuída proporcionalmente. Quando e apenas quando se atinge esse estágio, as despesas da escravidão, sob a forma do custo e sustento dos escravos, produtivos e improdutivos, superam o custo dos trabalhadores assalariados. Como escreveu Merivale: ‘O trabalho escravo é mais caro do que o livre sempre que exista uma abundância de trabalho livre’”[55].

Foi este o modelo de empresa colonial em que os mesmos capitais genoveses investiram mais tarde, depois do fim do experimento do Chipre, nas ilhas atlânticas, especialmente na Ilha da Madeira, com a organização direta da produção e da distribuição cabendo aos comerciantes portugueses. Portugal já tinha, então, postos comerciais distribuídos ao longo da costa atlântica do continente africano, de onde consegue, com a colaboração das classes dominantes e de tropas mercenárias locais, o abastecimento regular de uma força de trabalho escravizada. É este o mesmo modelo de empresa colonial trazido para o Brasil no século XVI, com o fracasso da tentativa de escravização das nações indígenas – fracasso que se deve, principalmente, à decomposição destas populações pelo contato com agentes patogênicos até então desconhecidos e portados pelos europeus,assim como à maior possibilidade de resistência de populações já assentadas e estabelecidas em comunidades locais (em uma repetição histórica dos limites do desenvolvimento do escravismo com a população interna de uma formação social) –, e o mesmo responsável pelo sequestro, desterro, tortura e trabalho forçado sistemáticos impostos aos quase 13 milhões de africanos trazidos para o continente americano.

Esta forma de escravidão subordinada ao capital comercial integra a exploração escravista da força de trabalho e a necessidade capitalista do sobretrabalho para a produção de mercadorias, como diz o próprio Marx.

“Assim que os povos, cuja produção ainda se move nas formas inferiores do trabalho escravo, da corveia, etc., são arrastados pela produção capitalista e pelo mercado mundial, que faz da venda de seus produtos no exterior seu principal interesse, os horrores bárbaros da escravidão são coroados com o horror civilizado do sobretrabalho. Isso explica porque o trabalho dos negros nos estados sulistas da União Americana conservou certo caráter patriarcal enquanto a produção ainda se voltava sobretudo às necessidades locais imediatas. Mas à medida que a exportação de algodão tornou-se o interesse vital daqueles estados, o sobretrabalho dos negros e, por vezes, o consumo de suas vidas em sete anos de trabalho converteu-se em fator de um sistema calculado e calculista”[56].

É evidente que, em sua análise da escravidão moderna, Marx a apresente como, por um lado, um modo de produção oposto ao capitalismo[57], mas que, no caso das formações sociais coloniais em que constitui o modo de produção principal, se encontra diretamente subordinado e articulado à dominação da acumulação capitalista.

No caso do Brasil, a organização massiva de uma produção segundo a estrutura econômica escravista. O modo de produção escravista foi estruturado de maneira a se conectar a um conjunto de forças produtivas já vinculadas à produção manufatureira e de formas iniciais de industrialização de seu produto[58]. Além disso, a produção escravista passa a ser vinculada à circulação no mercado mundial, aumentando a intensidade da exploração no processo de trabalho, como havia apontado Marx, e depende, agora, da exploração em grandes propriedades fundiárias.

Estas características pareceram a determinados historiadores como suficientes para apontar o caráter “capitalista” da formação social brasileira já no período dos séculos XVI-XVII. Ou, ainda, como característica do sistema colonial, bastando uma descrição vaga das diferenças entre a escravidão antiga e a moderna, para apontar sua especificidade. Que tentativas historicistas desse tipo possam ter aparecido como trabalhos de “fundação” do materialismo histórico no Brasil é sintomático[59].

A versão mais difundida sobre a formação social colonial da América portuguesa é, ao menos nos meios universitários, a das teses historicistas de Ciro Flamarion Cardoso. Acusando, sem nenhuma explicação aparente, as teses que definem esta formação social como baseada no modo de produção escravista como “exemplos de uma concepção dogmática stalinista”[60], Cardoso apresenta a tese de que esta formação social era baseada em um “modo de produção escravista colonial”. Este novo modo de produção se distinguiria do modo de produção escravista por três elementos essenciais:

1. no modo de produção escravista, ao ser apropriado diretamente como instrumento de trabalho, “o escravo não tem uma economia própria e é isso que o diferencia do servo”. Ora, mantendo essencialmente a condição do escravo, o escravismo colonial

“admitia certa margem de economia própria para uma parte importante dos cativos. Com efeito, em todas as colônias os proprietários de escravos se eximiam muitas vezes da preocupação de alimentar os negros lhes dando um pedaço de terra e (...) o tempo necessário para trabalhar nele com o objetivo de produzir alimentos”[61].

2.  o “modo de produção escravista colonial” é um “modo de produção dependente”, uma vez que suas “formações sociais correspondentes foram dependentes, periféricas e deformadas”, sendo a escravidão resultado da organização da economia para a exportação.

3. as sociedades de onde eram originados os escravos tinham um nível de desenvolvimento inferior ao dos colonizadores europeus, levando à intensificação do “caráter embrutecedor” da escravidão e o desenvolvimento de “preconceitos raciais”[62].

O mérito essencial do trabalho de Cardoso é, como veremos, insistir sobre o grande impacto desta “economia própria” dos escravizados, apresentando sua extensão. Se enfatizamos que o apontamento de Cardoso de que é justamente este aspecto que diferencia o escravo do servo é para tirar daí conclusões bastante distintas no desenvolvimento de nosso estudo. A perspectiva teórica geral de Cardoso é francamente equivocada.

O primeiro elemento essencial que definiria a especificidade do “modo de produção escravista colonial” se baseia na existência de duas relações de produção diferentes entre o proprietário dos meios de produção e o produtor direto, confundidas pelo fato de serem portadas pelos mesmos indivíduos. Com efeito, vimos que as relações de produção são relações diretasentre os proprietários das condições de produção e os produtores, relações que são necessariamente mediadas pelos meios de produção, e que estas relações são recíprocas, formando uma estrutura coerente. A apropriação direta da força de trabalho, por um lado, e a concessão de posse dos meios de produção são duas relações de produção distintas, que não se confundem. O fato de se encontrarem articuladas em uma mesma formação social não indica a existência de uma relação de produção de novo tipo.

No que diz respeito ao segundo elemento essencial apontado por Cardoso, trata-se de uma tentativa de definir a estrutura de um modo de produção pelas formas de circulação a que uma formação social está subordinada. A confusão é óbvia, não caracterizando, portanto, um novo modo de produção. Quanto ao terceiro elemento, trata-se, obviamente, de uma caracterização das particularidades históricas da organização do processo produtivo, caracterização, aliás, parcialmente equivocada.

A razão para estes erros está na própria concepção que Cardoso tem das teses do materialismo histórico. Em um trabalho posterior, este historiador afirma que a categoria de modo de produção não pode ser “reduzida” às relações de produção, “e menos ainda às de exploração”, “mas que seja visto a partir da correspondência ou articulação historicamente dada entre as forças produtivas e relações de produção”[63]. Ora, vimos como Marx afirmava claramente que a totalidade das relações de produção que forma a estrutura econômica de uma sociedade, a sua “base real”, totalidade que constitui o modo de produção desta sociedade, corresponde a determinada fase do desenvolvimento das forças produtivas. A afirmação marxista de que um modo de produção deva corresponder a um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas não deve ser confundida com a tese de que o modo de produção deve ser compreendido a partir da correspondência “historicamente dada” entre as relações de produção e o nível das forças produtivas. No primeiro caso, a estrutura do modo de produção deve ser compreendida por si mesma ou, antes, pelas relações de produção que a constituem, ainda que esta estrutura deva corresponder sempre a uma determinada fase do desenvolvimento das forças produtivas. No segundo, é a “articulação historicamente dada” entre as relações de produção e as forças produtivas que definem um modo de produção.

É esta “articulação histórica” que está na base da tese historicista que subordina a definição da estrutura à sua situação histórica. Assim, Cardoso ignora o fato de que as relações de produção são o fator principal na definição de um modo de produção e, portanto, de uma formação social, uma vez que são “a base oculta de todo o arcabouço social”. Quando, na mesma passagem, Cardoso acredita justificar suas teses com a afirmação de Marx de que um modo de produção “responde a” ou “pressupõe como condição histórica” um determinado nível de desenvolvimento das forças produtivas, ele ignora justamente que esta “correspondência” ou a “articulação historicamente dada” entre as relações de produção e o nível das forças produtivas têm um papel secundário. Se em certo sentido, é verdadeiro afirmar que um modo de produção “responde” ao nível das forças produtivas, isto não quer dizer que ele se defina por ele ou que, em sua definição, este seja o aspecto principal. Assim, os aspectos particulares, a “articulação historicamente dada”, passam a ser o que define um modo de produção na perspectiva de Cardoso. Ele confunde, assim, o método do materialismo histórico e toda a análise das relações de produção nas formações sociais coloniais.

Propomos que a formação social da América portuguesa no período dos séculos XVI e XVII seja definida não como caso de um “modo de produção escravista colonial”, mas como uma formação social escravista colonial, em que coexistem zonas secundárias de produção servil e mesmo capitalista, mas em que o modo de produção escravista funciona como modo de produção principal e dominante e subordinada à acumulação capitalista. Todas as características secundárias que modificam o modo de produção escravista decorrem, como vimos, de sua articulação à circulação capitalista e ao capital comercial, sem que por isso se transforme a estrutura de base da produção social.

 

Nesta medida, as formações sociais coloniais, assim, podem ser identificadas a um tipo de formações sociais extremamente complexo, já apontado diretamente por Marx, mas geralmente ignorado pelas formas desviantes do “marxismo” que levantam seu nome ao mesmo tempo em que ignoram quase completamente o método do materialismo histórico. Até aqui, a articulação de diferentes modos de produção no interior de uma produção social poderia tomar duas formas Na primeira, o modo de produção dominante decompunha progressiva os modos de produção dominados, formando assim um período de transição em que a coexistência e a conexão entre modos de produção diferentes apresentava uma tendência nítida de transformação dos segundos pelo primeiro. No caso da transição do feudalismo ao capitalismo, Marx se referiu a este processo como o processo da “subsunção (ou subordinação) formal” pela qual a acumulação de capital subordina a si mesmo formas pré-capitalistas de trabalho ao mesmo tempo em que as transforma progressivamente em formas de trabalho especificamente capitalistas, a chamada “subsunção real” do trabalho ao capital. Na segunda, o modo de produção dominante bloqueava o desenvolvimento de novos de produção contidos de maneira embrionária na formação social.

No entanto, vimos como nas formações sociais coloniais os modos de produção pré-capitalistas eram reproduzidos pela dominação da acumulação capitalista, e como sua conexão com a circulação do capital comercial os colocava em relação como novas forças produtivas e dava a eles características específicas. Nesta forma de articulação, diferentes modos de produção podem até mesmo chegar a se conectar de tal maneira que as formações sociais às quais servem de base apresentam uma alteração de conjunto na qual um modo de produção se apresenta modificado pelo outro, estabelecendo características marcantes que se estabelecem por toda a formação social. Daí, portanto, um critério suplementar para a definição das formações sociais: sempre que estas forem deste tipo, elas deverão ser definidas também por esta conexão ente os modos de produção. As formações sociais coloniais e semicoloniais nos confrontam diretamente com a situação de formações sociais híbridas.

“[A produção do mais-valor relativo] supõe, portanto, um modo de produção especificamente capitalista que, com seus próprios métodos, meios e condições, só surge e se desenvolve sobre a base da subsunção formal do trabalho sobre o capital é ocupado por sua subsunção real.

Basta aqui uma simples alusão a formas híbridas, em que o mais-valor não se extrai do produtor por coerção direta e que tampouco apresentam a subordinação formal do produtor ao capital.  Nesses casos, o capital ainda não se apoderou diretamente do processo de trabalho. Ao lado dos produtores independentes, que exercem seus trabalhos artesanais ou cultivam a terra de modo tradicional, patriarcal, surge o usurário ou o comerciante, o capital usurário ou comercial, que os suga parasitariamente. O predomínio dessa forma de exploração numa sociedade exclui o modo de produção capitalista, ao mesmo tempo que, como na Baixa Idade Média, por servir de transição para ele. Por último, como mostra o exemplo do trabalho domiciliar moderno, certas formas híbridas são reproduzidas aqui e ali na retaguarda da grande indústria, mesmo que com uma fisionomia completamente alterada”[64].

 

Ora, o sistema colonial nos coloca justamente o problema destas formações híbridas, subordinadas à acumulação capitalista, mas que não servem diretamente como transição ao capitalismo. Pelo contrário, nas formações sociais coloniais e semicoloniais o capitalismo massivamente reproduz este hibridismo, essa fusão entre o arcaico e o moderno, essa heterocronia na qual o presente é também a repetição do passado.

 

 Sobre as formações híbridas - Introdução 

Sobre as formações híbridas - Parte 2: O modo de produção feudal  

Sobre as formações híbridas - Parte 3: O problema da semifeudalidade 

 



[1] ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring, p. 304. Os grifos são nossos. Evidentemente, na unidade entre a produção e a troca a produção tem o papel principal. Como diz o mesmo texto, “Produção e troca são duas funções distintas. A produção pode acontecer sem a troca, a troca – justamente por ser de antemão apenas troca de produtos – não pode acontecer sem a produção. Cada uma dessas duas funções sociais sofre a influência de efeitos exteriores em grande parte específicos e, em consequência, possui também em grande parte suas próprias leis, suas leis específicas”. Ibid., p. 177.

[2] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 113.

[3] MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm. Consultado em 07/03/2021. Os grifos são nossos.

[4] Para todos estes pontos, ver ENGELS, Friedrich. Carta a Joseph Bloch, 21-22 de setembro de 1890. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm. Consultado em 08/03/2021.

[5] Para este ponto, ver especialmente ALTHUSSER, Louis. Pour Marx¸ p. 110-114.

[6] Ver ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 55.

[7] Ver MARX, Karl. O capital – livro I, p. 255-262 e HARNECKER, Marta. Los conceptos elementales del materialismo histórico¸ p. 23-44.

[8]Por exemplo: “Adquirindo novas forças produtivas, os homens mudam seu modo de produção e, ao mudar o modo de produção (...) eles mudam todas as suas relações sociais. O moinho movido pelo braço humano nos dá a sociedade com o suserano; o moinho a vapor nos dá a sociedade com o capitalista industrial”. MARX, Karl. Miséria da filosofia¸ p. 102.

[9] Ver, por exemplo, MARX, Karl. O capital – livro I, p. 369-370, 381-382, 389-396.

[10] Ver TSÉTUNG, Mao. Sobre a prática e a contradição, p. 113-114.

[11] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã, p. 538.

[12] Como havia feito ao se referir ao “conjunto das relações sociais” nas Teses sobre Feuerbach, de maneira igualmente rigorosa. Sobre este ponto, ver BALIBAR, Étinne. La philosohpie de Marx, p. 70.

[13] Ver ALTHUSSER, Louis. Écrits sur l’histoire, p. 93-95.

[14] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 78.

[15] Ver MARX, Karl. Grundrisse, p. 54-55.

[16] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 852.

[17] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 91.

[18] Quatro grandes estruturas formadas antes do surgimento do modo de produção comunista, bem entendido.

[19] Ver STALIN, Josef. Materialismo dialético e materialismo histórico. Disponível em https://www.marxists.org/portugues/stalin/1938/09/mat-dia-hist.htm. Consultado em 11/03/2021.

[20] Ver ALTHUSSER, Louis. Sur la reproduction, p. 54-55.

[21] MARX, Karl. Grundrisse, p. 59. Os grifos são nossos.

[22] Ver AMIN, Samir & VERGOPOULOS, Kostas. A questão agrária e o capitalismo, p. 12 e TERRAY, Emmanuel. O marxismo diante das sociedades primitivas, p. 173.

[23] MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, p. 14.

[24] SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, p. 4. Os grifos são nossos.

[25] Ibid., p. 4.

[26] Ver CHILDE, V. Gordon. A evolução cultural do homem, p. 103-105. Ainda que limitado pela restrição dos estudos etnológicos de seu momento, os trabalhos de Engels continuam a ser uma referência fundamental. Ver ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 31-45.

[27] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 83-93.

[28] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 851.

[29]ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 61.

[30] ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado, p. 156-162.

[31] Para todos estes pontos, ver MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil, pp. 107-112, 152-153.

[32] Ver especialmente MEILLASSOUX, Claude. “Economías de autoconsumo. Un ensayo sobre la interpretación de los fenómenos económicos en las sociedades tradicionales autosubsistentes” in Nueva Antropología, vol. IV, número 14, p. 9-45

[33] Ver TERRAY, Emmanuel. O marxismo diante das sociedades primitivas, p. 93-166.

[34] MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. Lutas de classes na Rússia, pp. 93 e 101.

[35] Ver CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, pp. 46-66, 201-231, 190-201 e CLASTRES, Pierre. Arqueologia da violência, pp. 27-52, 89-135, 163-184.

[36] Ver CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, p. 97-117.

[37] Ver CLASTRES, Pierre. A sociedade contra o Estado, p. 173-183.

[38] MARIÁTEGUI, José Carlos. Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, p. 42-44.

[39] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 787.

[40] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 786. Os grifos são nossos.

[41] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 369.

[42] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 371.

[43] Nos limitamos ao caso do capital comercial em nosso objeto de pesquisa. É, no entanto, importante afirmar que o capital usurário tem um papel importante na gênese do capitalismo.

[44] Por exemplo, para o caso da América portuguesa, a empresa colonial seria impossível sem os investimentos e a distribuição operada pelo capital comercial holandês, ele mesmo já ligado ao desenvolvimento manufatureiro. Foram as manufaturas holandesas que forneceram os meios de produção necessários para a produção dos instrumentos de trabalho utilizados nos engenhos, do mesmo modo que foram os meios de distribuição holandeses que garantiram a circulação dos produtos. “A dominadora presença dos holandeses na distribuição do açúcar português das ilhas [atlânticas no século XV] e também no transporte entre as ilhas e a Metrópole assinala a progressiva transferência do primado marítimo de Portugal à Holanda. Mais do que isto: a progressiva transferência do capital comercial português à Holanda. A empresa açucareira ultramarina só seria possível à base da ajuda naval holandesa. Vai, assim, agravar aquela transferência porque o problema do transporte só poderá ser resolvido pela associação dos navios holandeses aos navios portugueses. A Holanda não será apenas a distribuidora do açúcar brasileiro na Europa – será a transportadora dele, da Colônia à Metrópole. E participa, assim, do lucro dos fretes – pagos em açúcar. (...) Esta ampliação do consumo [do açúcar] – criação de novos mercados e a expansão de antigos, vai ser a tarefa específica do capital comercial holandês no século XVI. É a operação de maior vulto que esse capital empreende na época. O açúcar, com ela, perde a condição de especiaria para se tornar mercadoria corrente, de consumo amplo. Na expansão açucareira, a Holanda tem um duplo papel: impulsiona o investimento inicial e mantém o domínio da distribuição”. SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, p. 64-65. Cf., igualmente, p. 35.

[45] ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii, Modos de producción en América Latina, p. 7.

[46] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 821.

[47] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 379.

[48] MARX, Karl. O capital – livro III, p. 381.

[49] SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, p. 61.

[50] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 836.

[51] Ver PATTERSON, Orlando. Slavery and Social Death, p. 354-358.

[52] Para uma lista não exaustiva, ver PATTERSON, Orlando. Slavery and Social Death, p. 350-352.

[53] Para todos estes pontos, ver VERNANT, Jean-Pierre & NAQUET, Pierre-Vidal. Trabalho e escravidão na Grécia antiga¸ p. 67-72.

[54] Ver CURTIN, Phillip D. The Rise and Fall of the Plantation Complex, p. 3-13.

[55] WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão, p. 33.

[56] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 310.

[57] MARX, Karl. Grundrisse, pp. 53 e 381-382.

[58] SODRÉ, Nelson Werneck. Formação histórica do Brasil, p. 33.

[59] Ver, por exemplo, PRADO JR., Caio. Formação do Brasil contemporâneo, pp. 123-129, 148-150, 285-291. Nesta última passagem, Caio Prado Jr., para especificar a escravidão moderna, se limita a apontar sua defasagem temporal em relação à escravidão antiga, a sua oposição aos “padrões morais e materiais estabelecidos” (!), o “nível cultural ínfimo” das nações indígenas e africanas escravizadas em comparação aos do colonizador por oposição às contribuições culturais “de elevado teor” dos escravos para a Roma antiga (!). É verdade, no entanto, que ignorando em grande parte a problemática do modo de produção, Caio Prado Jr. evita uma caracterização precisa da formação social colonial da América portuguesa. Ainda em História econômica do Brasil¸ Caio Prado Jr. se aponte que o capitalismo só se constitui no Brasil no século XIX. Cf. p. 268-271. É só em A Revolução Brasileira que, como veremos, Caio Prado Jr. apela para a tese do “capitalismo colonial” no Brasil.

[60] CARDOSO, Ciro Flamarion. “El modo de producción esclavista colonial en América” in ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii, Modos de producción en América Latina, p. 197.

[61] CARDOSO, Ciro Flamarion. “El modo de producción esclavista colonial en América” in ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii, Modos de producción en América Latina, p. 214. O grifo é nosso.

[62] CARDOSO, Ciro Flamarion. “El modo de producción esclavista colonial en América” in ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii, Modos de producción en América Latina, p. 224.

[63] CARDOSO, Ciro Flamarion. Escravo ou camponês? O protocampesinato negro nas Américas, p. 37. O grifo é nosso.

[64] MARX, Karl. O capital – livro I, p. 579. Os grifos são nossos.

 

 

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